Título: Diferenças que somam
Autor: Silvia Torikachvili
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F1

O mundo masculino na Basf se abriu para a diversidade em 2003. Foi uma ação coordenada que envolveu a matriz e as filiais da companhia no mundo inteiro. "Depois de um século de atividades constatamos que os funcionários eram quase todos homens e os líderes, todos alemães", conta o vice-presidente da corporação, Rui Goerck. A primeira providência foi mesclar a hegemonia alemã, além de contratar mulheres, assim que as vagas fossem se abrindo. "Queremos também aumentar o número de negros e de portadores de deficiência, de forma a fazer com que a empresa seja modelo de diversidade", explica Goerck. Apesar de ser uma política muito nova, a direção da empresa garante que a valorização dos segmentos excluídos dentro da Basf chegou para ficar e se multiplicar. A mudança começou a partir de um alarme captado pela alta cúpula da companhia: para conquistar postos mais elevados, as poucas mulheres da empresa adotavam um comportamento masculino. "Hoje, a diversidade é quesito básico na hora da contratação", diz Goerck. Desde 2004, a área de produção da Basf, que conta com cerca de 300 funcionários, todos homens, começou a admitir mulheres. Em poucos meses, elas chegaram a 21 trabalhadoras. "A princípio, não imaginávamos como abrir espaço para elas num ambiente repleto de homens", diz Edivaldo Martins Guerra, supervisor de uma das áreas de produção de tintas da Basf. "Mas elas foram chegando, nós fomos nos adaptando a essa mudança cultural e hoje convivemos em harmonia." Guerra acredita que, num período máximo de seis meses, as mulheres podem estar aptas a promoção para outras áreas e a exercer cargos de chefia. A seção de envase de tinta, por onde elas começaram, é o cargo menor, segundo Guerra. "Mas há todo um caminho a percorrer e muitos postos a serem preenchidos pelas mulheres." Com algum tempo de treinamento, Guerra acredita que muitas estarão aptas a assumir vagas que, tradicionalmente, são ocupadas por homens dentro da empresa. As providências para a prática da diversidade, contudo, envolvem outras ações dentro da Basf. O Programa Crescer é um deles, e tem foco em crianças negras, em meninas de classes desfavorecidas socialmente e em portadores de deficiência. São 120 crianças que participam por ano do projeto. Os resultados dessas primeiras capacitações devem ser colhidos dentro de cinco a sete anos, segundo Goerck. O respeito às minorias passou a ser prioridade também dentro da Motorola - tanto que diversidade se transformou em uma unidade na empresa. O conceito, segundo Eduardo Pellegrina, gerente de RH, está fincado no "respeito às formas diferentes de pensamento". Transposto para o sistema operacional, o conceito dá ênfase à capacitação e, mais tarde, efetivação de meninos de famílias de baixa renda. O programa contempla ainda a contratação de portadores de deficiência; inclusão de afro-descendentes; e investimento na formação sócio-educativa de meninas de famílias desassistidas. O Vôo Brevê, que dá suporte a meninos aprendizes a partir dos 16 anos, tem como objetivo formar o cidadão antes da capacitação profissional. Os meninos freqüentam os cursos durante o dia, estudam à noite na escola formal e recebem transporte, refeição e uma ajuda de custo. "Quando chegam aos 18 anos, e entram na faculdade, passam automaticamente para o programa Vôo Maior, como estagiários universitários", diz Pellegrina. Por volta dos 23, 24 anos, já formados, estarão capacitados para trabalhar na Motorola ou, se preferirem, em qualquer outra empresa. "São seis anos de investimento na formação e capacitação desses meninos. A empresa que contratar esses jovens terá o melhor do mercado em disponibilidade." Quanto à contratação de portadores de deficiência, a Motorola iniciou um processo de mapeamento da companhia como forma de localizar os postos de trabalho. Para agilizar, estabeleceu uma parceria com a Gelre e, há dois anos, vem treinando o pessoal e fazendo um trabalho de sensibilização. "Estamos caminhando em direção às contratações, mas o processo ainda está lento", reconhece Pellegrina. O processo de inclusão de afro-descendentes registrou uma primeira investida em 2004, numa parceria entre a Universidade Zumbi dos Palmares e a Motorola Foundation. Os poucos jovens ainda estão em treinamento e devem ser absorvidos como estagiários na Motorola em 2006, nas áreas de administração, engenharia e recursos humanos. A Unilever está atenta à diversificação. Com um programa em jovens afro-descendentes, em parceria com o Geledés, organização social que busca soluções para a inclusão dos negros, a empresa fez uma seleção de 36 estudantes, dos quais seis já estão cursando a faculdade. "Queremos preparar esses jovens para que desenvolvam produtos que atendam suas próprias classes sociais", explica Adriana Chaves, gerente de RH da Unilever. "Uma das metas da empresa é conquistar os consumidores de baixa renda. Para tanto, esses jovens serão não apenas porta-vozes de necessidades de suas comunidades, mas principalmente poderão desenvolver produtos e serviços diferenciados para satisfazer essa clientela." Além da inclusão social, o programa da Unilever está atento à contratação de pessoas com deficiência e à ascensão de mulheres a cargos de gerência. Para a contratação de PDs, a empresa tem uma parceria com a Avape, que forneceu o capital humano para a efetivação de mais de 300 funcionários entre os cerca 13.500 colaboradores distribuídos por todas as unidades. A Sorri Brasil, outra organização social, preparou o público interno para lidar com esses novos funcionários. A promoção de mulheres para cargos de alta gerência, segundo Adriana, começou em 2003. "Mas levamos cinco anos até preparar o ambiente", destaca. "Os berçários foram estruturados para funcionar fora dos horários convencionais, a licença-maternidade é prorrogável e as mulheres podem também trabalhar em casa". O objetivo, diz ainda Adriana, é levar para a Unilever a maneira feminina de administrar. Levar a diversidade para o mercado de trabalho é a forma mais eficaz de enfrentar a pobreza, a desigualdade social e a concentração de renda, diz o consultor Reinaldo Bulgarelli, da Txai Cidadania e Desenvolvimento Social. "Para a economia, é fundamental o enfrentamento das desigualdades." É dessa forma, segundo ele, que mais consumidores passam a entrar no mercado; mais mulheres estarão trabalhando desde o chão de fábrica até a presidência da companhia. "Sem essas transformações, a sociedade continuará reproduzindo a mesma lógica que só contrata mulher como secretária e impede a mulher de chegar a cargos de chefia." Empresa que vira as costas para a diversidade, na opinião de Bulgarelli, põe em risco a perenidade do próprio negócio. "Empresas que sumiram do mercado têm a falta de diversidade como componente comum", diz. "É impossível uma companhia ser bem-sucedida numa comunidade mal sucedida." A diversidade é o grande negócio da IBM, garante a gerente de Talentos e Diversidade Luciana Farisco. "Como responsável pela captação de recursos humanos, faço o possível para que a força de trabalho reflita a sociedade que a gente vive", diz. "Queremos ser a fonte de admiração da concorrência que queira entender essa política." Para tanto, a diversidade na IBM é dividida em quatro grupos: mulheres, negros, portadores de deficiência e GLBTs (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros). No caso das mulheres, o programa começou em 2000 e elas já são 60%. Para o grupo de pessoas com deficiência, o programa começou em 2002 e, entre os cerca de 7 mil funcionários há 60 PDs. Essa inclusão ainda está em processo, para o qual a acessibilidade merece destaque: elevadores com voz, linguagem libras, rampas, barras, banheiros adaptados. A falta de representatividade de negros na companhia é um assunto que vem merecendo atenção especial. "Nosso grande objetivo é capacitar a população para trabalhar com a gente em igualdade de condições", diz Luciana. O grupo dos GLBTs entrou na agenda a partir de 2004. "Queremos fazer com que as pessoas tenham tranqüilidade para decidir revelar ou não suas preferências sexuais sem ser olhadas de forma diferente por causa disso." Num ambiente em que segmentos historicamente excluídos têm voz e vez, o clima de trabalho melhora e a produtividade aumenta, diz o diretor de RH da IBM Brasil, Paulo Portela. "Prestigiados, esses novos funcionários têm liberdade para criar e produzir novos produtos e serviços diferentes, que são justamente o negócio da companhia", diz Portela. "Quando o funcionário não precisa esconder sua essência ou usar máscara para disfarçar sua origem, não gasta energia desnecessariamente e produz mais." Diversidade não é questão de estratégia, mas de necessidade da empresa, conforme constatação do Banco Real ABN. "Nossa campanha de mídia trabalha com clientes reais, que incluem todos os segmentos", diz Maria Cristina Carvalho, superintendente de RH. Propagar esses valores faz parte de uma missão que o banco assumiu em 2001, com o objetivo de tratar a questão ética, além de discutir ações contra discriminação e preconceito. "Nosso desafio foi mostrar o quanto pode ser rico lidar com pessoas diferentes", diz Cristina. Constatou-se que as mulheres tinham dificuldade de ascender a cargos mais altos, que os negros eram menos de 10% e que as cotas para portadores de deficiência estavam longe de ser preenchidas. "Queremos promover a ascensão de todos os funcionários e, para isso, a etnia ou a deficiência não pode ser obstáculo", explica Cristina. A partir da constatação da falta de representatividade de todos os segmentos, algumas providências foram tomadas: sensibilização do pessoal interno para a contratação de PDs, promoção de mulheres para postos de comando e a preparação de pelo menos 80% das agências com acessos, rampas e banheiros especiais. "Não queremos inovar, queremos trocar informações sobre inclusão social", diz Cristina. "É difícil quebrar preconceitos e mudar valores, mas estamos começando."