Título: Estado resgata políticas com contratos de gestão
Autor: Claudia Costin
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F2

A ineficiência da máquina administrativa e as possíveis estratégias políticas para superá-la é, ainda hoje, umas das questões mais discutidas entre as lideranças governamentais. Sabe-se que é por meio de um processo de reconstrução do Estado que será possível resgatar sua capacidade de implementar políticas públicas competentes, democráticas e distantes do clientelismo. A partir desse cenário, a Secretaria de Estado da Cultura projetou a idéia de se associar, na gestão de alguns serviços culturais, a entidades públicas não-governamentais, qualificadas como Organizações Sociais (OSs). Ou seja, transferir para o terceiro setor, mediante a assinatura de um contrato de gestão, a produção de serviços não-exclusivos do Estado na área da cultura - como museus, escolas de música, orquestras, entre outros -, estabelecendo um sistema de parceria entre governo e sociedade, para seu financiamento e controle. Desse modo, o Estado abandona a figura de executor ou prestador direto de serviços nestes segmentos, mantendo-se no papel de formulador, coordenador e avaliador da política cultural. A iniciativa acaba de ser concretizada com a assinatura de três contratos de gestão: o primeiro destinado aos teatros e o outro ao bem-sucedido Projeto Guri e o terceiro às oficinas culturais. Essa oficialização é o inicio da realização de um sonho e da efetivação de um modelo complementar e diferente de administração do serviço público desenvolvido especificamente para a área de cultura. Um projeto iniciado ainda na primeira gestão do governo Fernando Henrique Cardoso, quando participei, junto com Luiz Carlos Bresser Pereira, ativamente da discussão sobre a reforma do Estado. Para entender melhor o início dessa reflexão sobre OSs é necessário voltar a 1988, e mais precisamente à implementação da Constituição Federal, que impôs um enrijecimento dos mecanismos de gestão do setor público. Isso porque em áreas específicas é extremamente importante certa inflexibilidade para proteger o Estado do clientelismo. Um fiscal da Receita Federal ou um policial, por exemplo, não podem ter seu trabalho inibido por cidadãos ligados ao poder público. Por outro lado, essa rigidez também foi imposta para áreas que exigem criatividade e agilidade, como é o caso típico de Cultura. Ninguém pensaria contratar um bailarino em início de carreira para se aposentar aos 70 anos, ou então fazer licitação para aquisição de obra de arte. E foi por conta dessa rigidez que surgiu a figura da Organização Social. Essas entidades possuem autonomia administrativa muito maior do que aquela possível dentro do aparelho do Estado. Em compensação, seus dirigentes são chamados a assumir grande responsabilidade, em conjunto com a sociedade, na gestão da instituição e na melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor. Além disso, há um mecanismo concreto de controle e cobrança de resultados. Não se trata, no entanto, de um simples convênio de transferência de recursos, terceirização ou privatização. O Estado continua dono dos prédios e acervos e não deixa de controlar a aplicação financeira, mas o faz por meio de um instrumento inovador e mais eficaz. Para tornar-se uma Organização Social, a instituição deverá seguir os requisitos da Lei Federal nº 9.637/98 ou Estadual nº 846/98. Só assim estará habilitada a receber recursos financeiros e administrar bens e equipamentos do Estado. Em contrapartida, a entidade se obriga a celebrar um contrato de gestão, por meio do qual serão acordadas metas de desempenho - organizacionais, de produção e sociais - que são a expressão da política pública para aquele equipamento ou ação específica e visam assegurar a qualidade e a efetividade dos serviços prestados ao público. Acredito veementemente que este novo modelo é o caminho para que atividades hoje desempenhadas com grandes obstáculos burocráticos, incompatíveis com o mundo das artes, pela Secretaria da Cultura, ganhem agilidade e eficácia, viabilizando os sonhos.Quem sairá ganhando é, certamente, a sociedade.