Título: Para Spence, ainda há risco de surpresas desagradáveis
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2008, Finanças, p. C12

Vencedor do Nobel de Economia em 2001, Michael Spence diz que o risco de uma prolongada contração global de crédito foi reduzido nas últimas semanas, mas não acabou. Para ele, o momento exige uma política monetária ativa, com forte injeção de dinheiro no sistema financeiro, assim como amplas medidas de estímulo fiscal, para tentar reduzir a duração e a magnitude da recessão. "O empréstimo interbancário continua difícil e o crédito segue apertado praticamente em todos os lugares", diz Spence, para quem é necessário "reconhecer que continuamos no meio de uma crise financeira, e que provavelmente mais surpresas desagradáveis ainda estão por vir". Munshi Ahmed / Bloomberg News

Michael Spence: reformar o sistema financeiro global é importante, mas é uma agenda mais para o longo prazo

Professor da Universidade de Stanford (EUA) e membro da Hoover Institution, Spence diz que os governos devem centrar esforços em resolver a crise financeira e atenuar o tamanho da desaceleração da economia. Refazer a regulação dos mercados é uma questão bastante importante, mas é um tema que deve ser atacado num prazo mais longo, avalia Spence, que vem ao Brasil nesta semana para participar do Encontro Latino Americano da Sociedade Econométrica (Lames, na sigla em inglês) e da Associação de Economia da América Latina e do Caribe (Lacea), a ser realizado no Rio de Janeiro, de quinta-feira a domingo.

Para ele, um amplo pacote fiscal nos EUA é fundamental para enfrentar a recessão, o que ajudaria não apenas o país, mas a economia global. "Seria melhor se pacotes semelhantes de estímulos fossem adotados na Europa e em vários países grandes em desenvolvimento, embora a situação fiscal deles seja diferente e seja necessário tomar cuidado com um abordagem única para essa questão."

Spence gostou do resultado da reunião do G-20, ocorrida em Washington no fim de semana. Para ele, as decisões do grupo que reúne os países mais ricos do mundo e os emergentes de maior destaque apontam na direção correta, devendo ajudar a combater os efeitos da crise. A concordância em evitar o protecionismo e em adotar medidas coordenadas de estímulo "definitivamente parece um desfecho positivo", diz ele.

Spence ganhou o Nobel junto com Joseph Stiglitz, da Universidade de Columbia, e George Akerlof, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por e-mail.

Valor: Depois de momentos de pânico em setembro e outubro, os mercados globais se acalmaram um pouco nas últimas semanas. O risco de uma prolongada contração do crédito foi reduzido após as medidas tomadas pelos governos de vários países desenvolvidos?

Michael Spence: Foi reduzido, mas não acabou. O empréstimo interbancário continua difícil e o crédito segue apertado praticamente em todos os lugares. Há muita desalavancagem associada a uma deflação de ativos ainda por ocorrer. Isso vai levar alguns anos, eu acredito. Este não é o momento para relaxar e considerar que o problema já foi resolvido.

Valor: O que mais pode ser feito para resolver a crise financeira?

Spence: Várias medidas são necessárias além do que já foi feito. Fluxos de capitais dos países em desenvolvimento para os avançados precisam ser revertidos de uma maneira sistemática, até que condições mais normais sejam restabelecidas. Isso vai ajudar a evitar problemas mais graves de crédito em países emergentes, além de danos associados a isso. Nós também precisamos tomar medidas para remover ativos tóxicos, ajudar proprietários de imóveis, evitar um número excessivo de retomadas de propriedades e uma queda exagerada dos preços no mercado imobiliário. O capital privado ainda não flui para o sistema em parte porque a solvência de bancos e outras instituições financeiras nos EUA e na Europa continua incerta. Em conseqüência, será necessário mais capital público.

Valor: Os países desenvolvidas deverão passar por forte desaceleração. Em que medida as respostas fiscais e monetárias vão atenuar a magnitude e a extensão a recessão?

Spence: Medidas monetárias são necessárias como parte do pacote de políticas para evitar que a crise financeira causa problemas excessivos à economia real. Nesse sentido, o seu impacto é indireto, mas importante. Medidas de estímulo fiscal são necessárias para fazer com que a recessão que nós já atravessamos seja menos prolongada e profunda.

Valor: Os juros americanos estão próximos de zero. Há um risco de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fique sem munição monetária?

Spence: Não. Há muita munição, mas do tipo menos convencional - injeção de liquidez no sistema. No momento, os prêmios de risco são tão altos que o ponto principal não é realmente a taxa de juros básica, mas como reduzir o spread entre a Libor e as notas do Tesouro americano [diferença entre as taxas], assim como de várias outras taxas de juros. O Fed está comprando commercial papers [títulos de curto prazo emitidos pelas empresas] e vai ter que continuar a fazer isso até que os canais normais de intermediação sejam destravados. Isso pode ser necessário também em outros países.

Valor: O presidente eleito Barack Obama disse que os EUA precisam de um plano de resgate para a classe média, uma extensão dos benefícios do seguro-desemprego e um plano de estímulo fiscal. Essas medidas estão na direção correta?

Spence: Acredito que sim. O presidente eleito prometeu tratar da questão da renda da classe média. Pode-se pensar na proposta como a concretização daquela idéia, mas num contexto de um pacote de estímulos.

Valor: O sr. é favorável a um grande pacote de estímulo fiscal, como o defendido por Paul Krugman?

Spence: Sim, porque vai reduzir a magnitude e talvez a duração da recessão, ajudando não apenas os EUA mas também a economia global. Seria melhor se pacotes semelhantes de estímulos fossem adotados na Europa e em vários países grandes em desenvolvimento, embora a situação fiscal deles seja diferente e seja necessário tomar cuidado com um abordagem única para essa questão.

Valor: Há um consenso crescente de que a falta de regulação dos mercados financeiros foi uma das principais causas da crise. Que mudanças o sr. sugere nessa regulação?

Spence: Por causa de arbitragem regulatória e da simples interdependência, uma abordagem global é necessária. Isso não significa necessariamente estruturas regulatórias idênticas em todos os países. Há outras questões que exigem coordenação global, como os desequilíbrios que contribuíram para a crise.

Valor: É necessário fazer uma reforma ampla das instituições de Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial?

Spence: Provavelmente sim, mas não é algo para ser feito com pressa. É mais importante neste momento ficar focado na crise.

Valor: Como os países emergentes serão afetados pela crise?

Spence: Haverá uma desaceleração do crescimento. Também podem ocorrer problemas associados a fluxos de capitais voláteis, a taxas de câmbio voláteis e a problemas de crédito. Mas essas questões podem ser resolvidas com ações alertas e competentes dos bancos centrais e dos governos.

Valor: O Brasil deve adotar medidas de estímulo monetário e fiscal para enfrentar a crise?

Spence: Eu ainda não sei a magnitude da desaceleração. Presumivelmente podem surgir alguns problemas por conta da queda dos preços de commodities. Além disso, acho que o mais importante é evitar que os efeitos da crise financeira se espalhem pela economia. Eu vou saber mais sobre isso quando chegar ao país e tiver uma oportunidade de conversar com economistas e autoridades.

Valor: O que o sr. achou do resultado do encontro do G-20? Vai ajudar a combater a crise?

Spence: Sim, definitivamente. Concordar em evitar o protecionismo e em coordenar os esforços de estímulo são boas medidas. Definitivamente parece um desfecho positivo. Eu ainda acho que nós precisamos reconhecer que continuamos no meio de uma crise financeira, e que provavelmente mais surpresas desagradáveis ainda estão por vir. Lidar com isso e com a questão da recessão ou da rápida desaceleração do crescimento deve ser o foco. Consertar o sistema financeiro global parece uma agenda de mais longo prazo, e não deve nos tirar do foco imediato.