Título: Brasil e EUA não conseguem retomar Alca
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2005, Brasil, p. A8

Em dois dias de reuniões, Brasil e Estados Unidos não chegaram a uma solução para retomar imediatamente as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nova reunião entre os co-presidentes Peter Allgeier, dos EUA, e Adhemar Bahadian, do Brasil, foi marcada para março. Houve alguns avanços, mas como antecipou o Valor na semana passada, os EUA exigem compromissos adicionais em propriedade intelectual. Os EUA querem cláusulas que obriguem o cumprimento do acordo TRIPS, da Organização Mundial do Comércio (OMC), que regula esse tema. O Brasil não aceita esta condição no acordo básico da Alca (ou nível um), deixando cláusulas adicionais de propriedade intelectual para os países que optarem pela adesão ao nível dois. O embaixador Adhemar Bahadian diz que o Brasil aceita cooperar no combate à pirataria e na implantação do acordo de TRIPS, mas não quer uma cláusula incluída no texto do acordo. "Nossa sensação é que isso não é suficiente para os americanos. É preciso registrar que se essa posição for mantida, o acordo me parece inviável por se desviar do que foi determinado na ministerial de Miami", disse. Na reunião ministerial, ficou estabelecido um conjunto de regras menor para o nível um da Alca e um mais completo, incluindo investimentos e propriedade intelectual, para o nível dois. Perguntado sobre a possibilidade de os EUA aceitarem uma Alca "básica" sem cláusulas adicionais de propriedade intelectual, o porta-voz do USTR, Richard Mills, diz que não iria "negociar pela imprensa", mas que a questão da propriedade intelectual é "uma grande preocupação dos EUA" em todos os seus acordos comerciais. A aprovação do acordo com a América Central, por exemplo, está parada por uma questão de patentes farmacêuticas na Guatemala. Bahadian argumenta que aceitar regras de cumprimento do TRIPS pode prejudicar a política de saúde pública e a fabricação de medicamentos genéricos com preços mais baixos que os remédios originais. Ou dar margem a retaliações comerciais baseadas no argumento da pirataria. "Não é possível um acordo de livre comércio que legitime medidas retaliatórias em nome da proteção da propriedade intelectual ou prejudique consumidores de remédios". Teme-se que, com a cláusula, empresas dos EUA usem o argumento da pirataria no Brasil para bloquear importações. Bahadian diz que o combate à pirataria é complexo e que também há problemas nos EUA com a venda de falsificações de produtos de luxo e DVDs. Apesar das divergência, a avaliação dos dois países é de que houve um "estreitamento das diferenças". O comunicado conjunto dos co-presidentes afirma que "houve progresso" e que ambos estão otimistas com os resultados do encontro. Bahadian disse ter visto flexibilidade dos EUA em pontos como a negociação em serviços (a possibilidade de adoção de uma lista positiva para abertura, ou seja, inclusão dos nomes dos setores que serão abertos) e as cestas de produtos com diferentes prazos para redução tarifária. Os EUA haviam criado uma cesta chamada "outros" produtos, que não necessariamente teriam abertura comercial. Bahadian disse que os EUA estão dispostos a negociar o assunto, assim como discutir mecanismos de consultas voluntárias sobre processos de anti-dumping. Uma última divergência diz respeito à compensação para importações de produtos agrícolas subsidiados de fora do hemisfério. Bahadian disse que voltou a insistir na necessidade de iniciar rapidamente as negociações de acesso a mercado na Alca, cujas discussões estão há 12 anos em "questões abstratas", o que segundo ele está reduzindo o interesse das sociedades e criando "fadiga". Os EUA recusaram recentemente a proposta de um acordo bilateral de acesso a mercados com o Mercosul. Bahadian e Allgeier devem trocar sugestões por e-mail até a reunião de 29 de março. Se for fechado um acordo, os outros países devem ser convocados para reiniciar as negociações entre abril e maio. O Inter-American Dialogue, organização não governamental para a integração do hemisfério, divulgou ontem o relatório "Agenda para as Américas" onde ressalta a necessidade de mudança da política americana para a região. Além de discutir questões políticas, o relatório diz que os EUA deveriam aliar-se ao Brasil nas negociações da OMC para redução de subsídios agrícolas, e assim seria mais fácil terminar a negociação da Alca. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos autores do relatório, diz que hoje os empresários brasileiros aceitam muito melhor a abertura comercial "porque sabem que são competitivos internacionalmente", e que há um clima de maior aceitação do projeto da Alca na sociedade.