Título: Dissidência do chavismo forma 3ª via
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2008, Especial, p. A12

Nas eleições regionais do próximo domingo, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, enfrenta um inimigo bastante conhecido pelos políticos brasileiros quando estão no poder: o fogo dos ex-amigos. Analistas políticos acreditam que os dissidentes do governo podem sair fortalecidos do pleito, consolidando uma terceira força política no país, que há dez anos está polarizado entre chavistas e oposição. Os venezuelanos vão às urnas eleger 22 governadores, 338 prefeitos e 233 parlamentares.

Em Barinas e Guarico, o mandatário venezuelano corre o risco de que seus candidatos percam para antigos companheiros. Os políticos que se rebelaram em ambos os casos foram preteridos pelo governo como candidatos. Em Guarico, a candidata dissidente Lenny Mannuit é filha do atual governador, que foi expulso do partido de Chávez. O candidato do governo é Willian Lara.

Na terra natal do presidente Chávez, Barinas, o candidato dissidente Julio Cesar Reyes é prefeito da capital e foi escolhido como candidato nas prévias do partido do governo. No entanto, Chávez preferiu seu irmão Adam para tentar substituir seu pai, o atual governador, Hugo de Los Reyes Chávez. Popular, Julio Cesar se rebelou e tem chances de vitória.

"Se perder nesses dois Estados, o governo sai prejudicado, porque é uma nova força de esquerda que está surgindo", disse Luís Vicente León, do Instituto Datanálisis. Ele lembrou que boa parte dos venezuelanos, entre 50% e 60%, não se sente representada nem pelo chavismo nem pela oposição "É muito difícil sustentar a centralização total de um regime em eleições com questões regionais."

A oposição controlava apenas dois Estados, Zulia e Nueva Esparta, mas o governo perdeu alguns outros aliados pelo caminho. No fim do ano passado, quando Chávez tentou aprovar uma ampla reforma da Constituição, incluindo um dispositivo que permitia a sua reeleição ilimitada, alguns Estados foram contra, caso de Aragua, Sucre e Carabobo.

Em Aragua e Sucre, os dissidentes se compuseram com a oposição e podem vencer. Em Carabobo, o Estado mais industrializado do país, também concorre um dissidente, mas o candidato com mais chances de vitória é um ex-governador da oposição, Henrique Sales Feo.

As pesquisas, que são pouco confiáveis na Venezuela, também indicam que a oposição deve manter os Estados de Zulia e Nueva Esparta. E uma grande batalha ocorre pelo governo de Miranda, onde os candidatos estão empatados. Se a oposição vencer em Zulia, Carabobo e Miranda, ganhará uma fatia de cerca de 30% da população e representará mais de 50% da produção industrial.

Os resultados também podem ser interpretados a favor do governo. Alguns analistas dizem que se a oposição conquistar cerca de seis Estados apenas estará retomando os patamares do início do governo Chávez. Eles acrescentam que o fato de a oposição comandar só dois Estados era uma distorção. A bancada da oposição da Assembléia também é relativamente reduzida. Isso se deve ao boicote de candidatos oposicionistas às últimas eleições legislativas, de 2005.

No início do ano, as expectativas apontavam que Chávez poderia perder em 12 Estados. O governo enfrentava um desabastecimento e estava politicamente enfraquecido, porque acabava de perder o referendo sobre a reforma constitucional. Desde então, medidas foram tomadas, como a redução da importação de carros e a transferência dos dólares para alimentos. A Venezuela controla a liberação de divisas para a importação.

Chávez também tomou uma medida arriscada, mas que pode funcionar em alguns casos. Ele transformou a eleição em um grande plebiscito sobre o seu governo, tirando o foco das questões regionais de saúde ou segurança. O presidente é onipresente nas propagandas dos candidatos pelas ruas e participou de uma maratona de comícios em todo o país.

Para Marino Gonzales, professor da Universidade Simón Bolívar, os dissidentes podem se fortalecer na eleição, mas não são um fenômeno novo. Ele lembra que o chavismo surgiu de uma grande aliança de grupos, que já começou a ter problemas com divisões internas e fundação de outros partidos. "É normal que isso ocorra em dez anos de poder." Gonzales afirmou que o pleito de domingo pode abrir caminho para a oposição em 2010, quando serão eleitos deputados da Assembléia Nacional.