Título: Lançamento de imóveis deve repetir 2007
Autor: Ambrosio , Daniela D
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2008, Empresas, p. B9

Do dobro para a metade. O setor de construção civil foi de um extremo ao outro em menos de dez meses: vai encerrar 2008 com cerca da metade dos lançamentos previstos, enquanto a meta era radicalmente oposta: dobrar de dimensão. Nos nove primeiros meses, as 21 empresas com ações em bolsa lançaram R$ 19 bilhões para uma estimativa inicial de R$ 42 bilhões e uma meta já revista de R$ 33 bilhões. Considerando-se que as empresas colocaram o pé no freio e algumas já anunciaram, inclusive, que desistiram de qualquer novo empreendimento este ano, o setor deve fechar 2008 muito perto dos R$ 25 bilhões de novos canteiros lançados no ano passado.

O terceiro trimestre foi emblemático por conseguir retratar a dimensão do encolhimento das construtoras. Nem mesmo a líder Cyrela escapou de reduzir suas projeções para o ano - depois de amargar queda de 40% nas vendas do segundo para o terceiro trimestre. "Não vamos acelerar a empresa em um momento de crise", disse Eli Horn, presidente da companhia. Até pouco tempo, somente as pequenas e as empresas com situação mais delicada, como Inpar e Abyara, haviam admitido que iriam encolher. Recentemente, porém, além da Cyrela, Rossi e JHSF foram pelo mesmo caminho.

Falta um mês e meio para terminar o ano e grande parte das empresas lançou menos de 50% do que previa para 2008, considerando, inclusive, as metas já revistas. Nos casos mais complicados, como o da Abyara, as promessas ficaram para trás. O que importa é salvar a empresa. A Abyara começou o ano prevendo lançar R$ 3 bilhões, no meio do caminho reduziu para R$ 2,2 bilhões e vai parar em R$ 1,1 bilhão. Em suas teleconferências, o discurso da preservação do caixa foi unânime. Muitas empresas simplesmente vão ignorar a meta de lançamentos que haviam prometido aos investidores - porque não têm dinheiro em caixa e crédito para tocar as obras. A Tecnisa disse que não se compromete a cumprir as metas de vendas e lançamentos prometidas para 2008 e 2009. "Não vamos cancelar lançamentos, mas postergá-los", disse Leonardo Paranaguá, diretor de relações com investidores. A Abyara foi mais taxativa: "Não faremos mais nenhum lançamento este ano", disse Ana Granato, diretora de relações com investidores da Abyara.

Vindas de um momento de euforia e atropeladas pela crise financeira mundial, as empresas sentiram uma desaceleração importante no terceiro trimestre. A queda nas vendas foi de 24% na média em relação ao trimestre anterior. Os lançamentos caíram 29,4% no mesmo período. Com um banco de terrenos nababesco - adquirido com o capital levantado nos IPOs - muitas empresas estão sem dinheiro em caixa e sem acesso a crédito para levantar novas obras.

Mas um olhar atento aos balanços mostra que, tanto operacionalmente, quanto financeiramente, os resultados foram bons. Com exceção da Inpar, todas as empresas tiveram lucro no último trimestre. A receita líquida média ficou empatada com o trimestre anterior e 98% acima do ano passado. O problema é que estão abaixo das expectativas - dos investidores, dos acionistas, dos analistas e das próprias companhias. A grande incógnita é o quarto trimestre. As vendas em outubro foram fracas.

Com menos lançamentos e, portanto, com receita menor, as empresas estão adotando medidas para racionalizar custos. As incorporadoras Cyrela, Abyara, Inpar, Eztec, JHSF e as imobiliárias, BR Brokers e Lopes anunciaram redução do quadro de funcionários. No caso da Eztec, até o salário dos sete diretores foi reduzido em 25%. A Lopes fez um corte de custos da ordem de R$ 40 milhões. A Cyrela reduziu o prazo de financiamento direto de dez para sete anos, para garantir um ganho adicional de 15% durante a obra.

De uma maneira geral, pararam de comprar terrenos - A Eztec chegou a devolver - e só lançam produtos quando conseguem mais de 100% das reservas. Há empresas que abrem estande de vendas, chegam a anunciar o produto, mas recebem apenas reservas, sem vender efetivamente as unidades. O problema é que o índice de conversão de reservas que era de dois para um está em menos de 30%. "Não dá para lançar sem antes ter idéia de como está a receptividade do produto", diz Flávio Zarzur, da Eztec.

A crise acelerou as promoções. A Even, por exemplo, oferece descontos para pagamento à vista. Na verdade, não reduz o valor do imóvel. Simplesmente desconta o custo financeiro. "O importante é levar gente para o estande", diz Dany Muzkat, diretor.

As companhias gastaram muito com lançamentos que não aconteceram e criaram estruturas inchadas e isso já começa a corroer as margens. Na média, a margem líquida do setor ficou em 17%, mas há casos como o da Agra que ficou em 6,8%. Até as grandes, como Cyrela e Gafisa, ficaram com margens na casa de 10%.

As grandes empresas que atuam na baixa renda, como PDG e MRV, foram menos afetadas. E, por conta da resposta mais positiva do segmento econômico, empresas como a Rossi estão totalmente focadas nesse mercado. A Gafisa aposta todas as fichas no segmento - os executivos estão mergulhados na integração da Tenda, comprada em setembro.

Até o momento, não há notícia de problemas com obras em andamento. Mesmo nos piores casos, é consenso no mercado que o risco de quebra é mínimo. Até porque o governo sinalizou que não permitirá que isso aconteça - seja através de crédito para capital de giro, seja por meio da compra direta de ações das companhias mais problemáticas. E o próprio segmento não tem qualquer interesse em assistir a um novo caso Encol, que abalaria novamente a confiança no setor, que levou anos para ser restabelecida. As empresas vivem de vender imóvel na planta e qualquer arranhão machucaria profundamente a todos.