Título: Lula recomendou sigilo sobre corrupção em mandato de FHC
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2005, Política, p. A39

Em visita às obras da estação de tratamento de óleo da Fazenda Alegre, o maior campo de produção da Petrobras no norte do Espírito Santo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva relatou ontem em pronunciamento que um 'alto companheiro' encontrara corrupção e que o processo de privatização quebrara a instituição que ele estava dirigindo. O presidente pediu que o assunto ficasse entre eles para que não se abalasse a imagem do país. "Logo no início do governo, quando um alto companheiro, de uma função muito importante, foi prestar contas de como tinha encontrado a instituição em que ele estava trabalhando - e me permitam não dizer o nome da instituição - e ele me dizia simplesmente o seguinte: 'Presidente, a nossa instituição está quebrada, estamos falidos. O processo de corrupção que aconteceu, antes de nós, foi muito grande. Algumas privatizações que foram feitas em tais lugares levaram a instituição a uma quebradeira.'", relatou o presidente. Lula continuou: "Disse a meu companheiro 'olhe, se tudo isso que você está me dizendo é verdade, você só tem o direito de dizer para mim. Para fora, feche a boca e diga que a nossa instituição está preparada para ajudar no desenvolvimento deste país'. Ele não entendeu. E dizia para ele: 'é isso mesmo', porque se nós, com três dias de posse, ou com três meses de posse, saíssemos pelo Brasil vendendo a idéia de que determinadas coisas importantes em que a sociedade brasileira acredita, se determinadas instituições de que a República tanto necessita, como uma espécie de alavanca para o desenvolvimento deste país, se a gente saísse dizendo que estavam quebradas, me pergunto: que mensagem íamos passar à sociedade? Tanto à sociedade interna, quanto à sociedade externa?" Lula continuou sua análise: "Isso poderia ser bom se tivesse tomado a decisão de achincalhar o governo que substituí." Tanto os ex-presidentes do BNDES, quanto da Eletrobrás negaram ao Valor terem tido essa conversa com o presidente. "Nunca disse que o banco estava falido. E se houvesse corrupção na instituição teria denunciado logo ao Ministério Público", disse o ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa. Sua conversa foi sobre como o banco se converteu numa instituição de maus negócios por conta da reforma desastrada. "Disse que o banco tinha negócios mal feitos, muitos esqueletos oriundos da privatização, como a questão da inadimplência da AES /Eletropaulo . Também fiquei surpreso com a má-qualidade da carteira da instituição. Para mim, isto não quer dizer corrupção", relatou. Lessa contou ainda que estava preocupado com a baixa capitalização do banco, que iria dificultar a solução do caso AES. E não poupou críticas à reforma feita por seus antecessores, o que iria exigir de sua equipe tocar um processo de recuperação profunda da instituição. Lessa garantiu que Lula nunca lhe pediu sigilo do que conversaram na ocasião. Para Lessa, a declaração parece mais uma "coisa localizada": "Isto não é o BNDES". O ex-presidente da Eletrobrás, o Luiz Pinguelli Rosa, disse que "não se lembra" de ter comentado com Lula sobre possíveis evidências de corrupção na estatal. Ontem à tarde, a assessoria de Pinguelli, que voltou para a Coppe-UFRJ depois de sua saída da Eletrobrás, disse que ele relatou a Lula, em conversas, a constatação de que o programa de privatização era equivocado, e que os balanços da Eletrobrás eram manipulados de forma política, sem entretanto ter relatado problemas de corrupção. Fontes da Previ afirmaram que provavelmente o relato não se referia ao fundo, que administra a previdência dos funcionários do Banco do Brasil. A Previ comunicou, por meio de sua assessoria, que não iria se pronunciar sobre o assunto. Para a oposição, o pronunciamento teve mais um tom político, mas pode fazer com que o presidente seja sujeito à crime de responsabilidade por se omitir a apurar um crime de corrupção. Na avaliação do vice-presidente tucano, senador Álvaro Dias (PR), o discurso foi um sinal de que Lula está em plena campanha para a reeleição. "O presidente está no palanque, começou a se portar como candidato. E o surpreendente é que ele tem uma fixação no Fernando Henrique, como se o ex-presidente fosse o nosso pré-candidato mais forte. Os petistas parecem não acreditar que na verdade caminhamos para ter outro candidato", disse o paranaense. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), mencionou em nota oficial a possibilidade de começar uma campanha para o afastamento de Lula do cargo. Agressivo, afirmou que Lula não estava sóbrio ao discursar. "O mais alto magistrado da Nação confessa, com desplante incompatível com a sobriedade, ter infringido dispositivo do Código Penal. Confessa crime de prevaricação (...)O PSDB está tomando providências para processá-lo. É inaceitável, e até sujeito a impeachment, comportamento como esse do presidente da República". Na Câmara, o líder do PSDB, Alberto Goldman (SP) disse que vai apresentar uma ação por crime de responsabilidade contra o presidente por ele não ter mandado investigar as suspeitas. (Vera Saavedra Durão, Cláudia Schüffner, Catherine Vieira, Chico Góes e César Felício, com agências noticiosas)