Título: Renda fixa tem R$ 65 bi de saques desde julho de 2007
Autor: Bellotto , Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2008, EU& Investimento, p. D2

Engana-se quem acha que os fundos multimercados foram os que mais perderam investidores com a turbulência financeira internacional. O maior volume de saques, desde os primeiros sinais do agravamento da crise do "subprime" americano no ano passado, foi registrado nas carteiras de renda fixa. Levantamento do site Fortuna mostra que, entre 31 de julho de 2007 e 14 de novembro último, os fundos de renda fixa lideram com folga os resgates do setor, com R$ 65 bilhões líquidos. O volume é R$ 30 bilhões maior do que o registrados pelos multimercados.

Neste ano, a briga entre as duas categorias é acirrada, com os multimercados encabeçando as saídas, com R$ 41,4 bilhões. As carteiras de renda fixa não ficam atrás e registram resgate líquido de R$ 39 bilhões, mas rentabilidade não foi o problema, destaca o diretor de renda fixa da HSBC Global Asset Management, Renato Ramos.

Além da forte concorrência dos Certificados de Depósito Bancário (CDBs), que passaram a oferecer taxas acima do CDI (juro interbancário), o que pegou mesmo foi a volatilidade dos fundos de renda fixa, diz Ramos. "O investidor que aplica nesse tipo de fundo é, na grande maioria, conservador e não gostou de ver as cotas oscilarem, ficarem próximas de zero ou até negativas em alguns momentos." Nos multimercados, segundo o executivo, a performance ruim foi o que afastou o investidor.

Os fundos de renda fixa, por terem gestão ativa, podendo aplicar em títulos prefixados mais longos, emitidos por empresas, são mais sensíveis a mudanças de mercado do que os DI, como a alta recente das taxas de juros no mercado futuro por conta da deterioração do cenário. Isso porque eles são obrigados a fazer a marcação de preço dos papéis em carteira a valor de mercado. Mas após o ajuste, a rentabilidade é recuperada. Dados do Fortuna mostram que o retorno médio da categoria de renda fixa no ano até o dia 14 é de 10,02%, ante 10,60% do CDI. Já os fundos DI rendem 9,89% no mesmo período.

"Mesmo aos trancos e barrancos, por conta da volatilidade, o retorno dos fundos de renda fixa está acima do registrado pelas carteiras DI, o que mostra que é uma aplicação que vale a pena", ressalta o diretor do HSBC. Mas, se o investidor é extremamente conservador e não suporta ver oscilação nas cotas, a melhor alternativa é o fundo DI, acrescenta. O executivo ressalta, no entanto, que a renda fixa não deve ser encarada como uma opção de investimento para um momento específico do mercado. "Tentar acertar a hora de entrar ou sair dificilmente dá certo, porque o investidor não tem costume de acompanhar o mercado; esse papel tem de ser feito pelo gestor."

Basta olhar para o desempenho dos fundos de renda fixa, que mesmo tendo iniciado o mês de novembro acima do CDI, continuam tendo resgates. Na semana encerrada dia 14, os saques superaram as aplicações em R$ 3,3 bilhões, elevando para R$ 3,7 bilhões a saída no mês, segundo o Fortuna. O retorno em novembro está em 0,55%, ante 0,53% do CDI.

Para o diretor do Fortuna, Marcelo D"Agosto, os saques nos fundos de renda fixa merecem atenção. "O resultado desse volume enorme de resgates é a venda a qualquer preço de títulos de renda fixa, o que reduz a rentabilidade do fundo, realimentando o processo de saques", diz. Com isso, na avaliação de D"Agosto, o gestor não pode se comprometer a investir em títulos mais longos, de empresas, pois precisa de caixa, o que afeta a estabilidade do mercado de renda fixa. "A medida adotada pelas autoridades brasileiras de flexibilizar o recolhimento compulsório pelos bancos só tem efeito no curto prazo; o governo deveria buscar uma solução de longo prazo para estancar os resgates na renda fixa", diz. "Todo dinheiro ir para CDB não é bom."

Na opinião de Ramos, do HSBC, o volume de saques dos fundos de renda fixa ainda não foi suficiente para acionar a venda de papéis emitidos por empresas, como debêntures e notas promissórias, cujo percentual em carteira é baixo. A maior parcela em crédito privado é de CDBs, diz. "Os títulos de empresas, por serem menos líquidos, geralmente são levados até o vencimento." Mas Ramos diz que se as empresas estão com dificuldades para captar por conta do custo alto é porque a demanda diminuiu.