Título: Esquizofrenia' na análise e aprovação de novas usinas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2008, Opinião, p. A10
A polêmica sobre a política governamental de análise e aprovação de construção de usinas voltou a esquentar com as declarações do presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, que, em um seminário na quarta-feira passada, criticou duramente o atual sistema de licenciamento ambiental afirmando que sua ótica é segmentada. Como exemplo do que chamou de "falta de visão holística" disse que o veto à construção de uma usina hidrelétrica ou a redução do tamanho do reservatório necessário para uma determinada usina são decisões que geralmente não levam em consideração o nível de poluição e o aquecimento das usinas térmicas. "Vivemos uma esquizofrenia. Em nome do meio ambiente nunca se causou tanto dano ao meio ambiente. A despeito de termos duas pessoas tão pro-ativas no Ministério do Meio Ambiente e no Ibama, o sistema não anda. Tem alguma coisa errada."
Tolmasquim ressaltou que o problema não está nos órgãos ambientais, mas sim no sistema integrado pelos ministérios públicos, organizações não-governamentais e Judiciário. O que falta a esses "atores", na expressão usada por ele, seria uma visão do todo. O que prevalece seria uma ótica segmentada, que ignora os custos ambientais das alternativas aos projetos vetados. O confronto típico é a relação custo benefício entre as hidrelétricas versus usinas térmicas.
O presidente da EPE defendeu um debate na sociedade brasileira para esclarecer os efetivos impactos ambientais da geração de energia. Como sugestão, disse que a fase inicial de inventário poderia receber uma espécie de licença ambiental prévia. Atualmente, esse tipo de autorização vem antes dos leilões realizados pelo governo para a concessão das obras das usinas. Ele quer reduzir o contencioso judicial que é muito comum depois da realização dos leilões. "Hoje, o empreendedor tem de precificar o custo dos seus advogados e a demora de uma disputa judicial. É uma insegurança monumental."
As propostas de Tolmasquim já estão sendo avaliadas por um grupo de especialistas. Técnicos dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente iniciaram no primeiro semestre discussões sobre eventuais modificações no processo de obtenção das licenças. A Agência Nacional de Energia Elétrica e a Empresa de Pesquisa Energética defendem que a análise dos estudos de inventário de um rio - o primeiro passo na identificação dos potenciais hidrelétricos de uma bacia hidrográfica e o momento em que se estabelece a melhor divisão das quedas d"água - seja feita por todos os órgãos envolvidos no licenciamento.
Merece apoio a iniciativa de Tolmasquim de sugerir um amplo debate sobre as condições de aprovação de novas usinas. Seria importante a manifestação de outros setores da sociedade. Por enquanto, a reação do principal representante das questões ambientais no governo, o ministro Carlos Minc, foi defender-se dizendo que tornou o licenciamento mais rápido e que esse desempenho pode melhorar mais. "Já fizemos o Destrava Ibama. Aguardem, brevemente, o Destrava Ibama 2", prometeu. Ele também revelou que o licenciamento de hidrelétricas será vinculado à viabilização de eclusas e hidrovias. Quanto à licença prévia na fase de inventário, defendida por Tolmasquim, Minc disse que "não é impossível", mas argumentou que, hoje, a licença prévia já trata da localização do projeto. Na sua visão, o inventário trata mais do aspecto hídrico e não aborda impactos na população, na fauna e na flora.
Para o ministro do Meio Ambiente, a redução das áreas inundadas é irreversível. Ele reconheceu que a chamada tecnologia bulbo reduz a geração de energia mas, por outro lado, diminui sensivelmente a área alagada. Essa nova tecnologia aproveita não apenas a queda d"água, como também o movimento horizontal. "Todas as hidrelétricas, daqui para a frente, serão autorizadas com esse padrão. Acabou aquela idéia de inundar metade do mundo", disse. Minc criticou também o enorme desperdício de energia no país. Segundo sua avaliação, perde-se 25% da energia produzida. Uma das metas mais importantes é saltar, em 15 anos, de 0,5% para 20% na co-geração de energia. Isso significa aproveitar a fumaça das chaminés como força propulsora de turbinas geradoras de energia.