Título: Governo reforça caixa do BNDES
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2008, Agronegócios, p. C1

Diante de carência crônica de "funding", o governo avalia uma série de alternativas para compor as fontes de recursos para financiamentos do BNDES em 2009. Em projetos aprovados para os próximos doze meses, o banco tem uma carteira de cerca de R$ 120 bilhões. Em recursos garantidos para emprestar no ano que vem, a disponibilidade é de menos de R$ 60 bilhões. " É algo em torno de R$ 58 bilhões", estima o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Ele prevê que até março de 2009 o governo terá que apresentar uma solução para a principal instituição de financiamento de longo prazo ao setor privado, cujo problema não é de capitalização, mas de falta de fundos para bancar a demanda crescente por créditos. Para isso, o governo explora várias possibilidades, dentre elas a de usar parte da linha de financiamento contingente recém-criada pelo Fundo Monetário Internacional, algo como US$ 10 bilhões, que são de rápido desembolso e sem grandes condicionalidades; e até mesmo uma parcela dos US$ 30 bilhões disponibilizados pelo Federal Reserve (Fed) para o país.

"Com a crise financeira internacional, a situação ficou ainda mais complexa", avalia o ministro, em conversa com o Valor, pois, com a retração dos bancos privados, as instituições públicas estão sobrecarregadas pelo deslocamento da demanda por crédito. Neste ano, os desembolsos do BNDES vão chegar a R$ 90 bilhões, embora a demanda seja uns R$ 4 bilhões superior. Como reforço de fundos, o Tesouro Nacional emprestou R$ 30 bilhões para o banco este ano. Em 2009, Bernardo diz que não será possível contar com recursos orçamentários para encorpar a instituição, até porque a União terá de gastar com outras políticas anticíclicas para não deixar que o crescimento econômico capote.

Ontem mesmo, diante de alguns comentários pessimistas de assessores do governo com relação ao nível de atividade em 2009, em reunião no Palácio do Planalto, o presidente Lula, para espantar os maus fluidos, apostou: "Isso não vai acontecer e esse país vai surpreender vocês."

O BNDES deverá obter R$ 10 bilhões em captações internas para reforçar suas fontes recursos para financiamentos no primeiro trimestre do próximo ano. O Banco Central poderá, segundo o ministro, fazer mais uma liberação de compulsórios, desta vez sobre depósitos à vista, para viabilizar captações do BNDES no mercado interbancário. O modelo se assemelha ao compulsório liberado para a compra de carteiras de crédito de pequenas e médias instituições. A diferença é que a nova opção de saque de compulsório seria vinculada à aquisição de Certificados de Depósitos Interbancários de emissão do BNDES.

Conforme informação do presidente da instituição, Luciano Coutinho, o ato normativo em elaboração no BC deverá limitar os juros dessas operações a 104% da taxa média dos negócios no interbancário. Com esse incentivo, previsto para ser anunciado nos próximos dias, espera-se que os grandes bancos compareçam com até R$ 7,5 bilhões. Os R$ 2,5 bilhões restantes já foram negociados com a Caixa Econômica Federal. Como os custos de captação desse conjunto de recursos é próximo ao de mercado, o banco não poderá emprestá-los com base na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que é subsidiada.

Não há, por enquanto, nada decidido, mas Bernardo disse que não se descarta, no governo, a hipótese de usar parte dos recursos externos colocados à disposição do Brasil e de outros países do "círculo mágico", assim considerados por terem boas condições macroeconômicas, pelo FMI e pelo Fed como medidas para mitigar os efeitos da crise que produziu um colapso no crédito.

O Fundo anunciou há poucos dias a criação de linha de crédito contingente no valor de US$ 100 bilhões para alguns países, vítimas de contágio da crise sistêmica, tais como o Brasil, Chile, República Tcheca, Polônia e algumas economias asiáticas. O dinheiro, se sacado, deverá ser usado para financiar empreendimentos do setor privado. Já os recursos do Fed que o Brasil, México, Cingapura e Coréia do Sul tiveram acesso representam operações de "swap" com o banco central americano, para ajudar o país a enfrentar problemas de falta de liquidez em moeda estrangeira no mercado doméstico. Não há qualquer decisão oficial de sacar esses US$ 30 bilhões e o BC até prefere não utilizá-los, mas, em caso de necessidade, o ministro do Planejamento acredita que poderão ser alocados no BNDES. O Fed, como remuneração, receberia exatamente o que o BNDES cobrar do setor privado, explicou. Além dessas iniciativas, o ministro aponta prováveis empréstimos tomados junto aos organismos internacionais, como Banco Mundial e BID.

Ao captar cada vez mais recursos no mercado, diante da redução paulatina da principal fonte de financiamento barato do banco - o Fundo de Amparo ao trabalhador (FAT) -, o BNDES terá grandes dificuldades para emprestar com base nos juros subsidiados da TJLP, a menos que o Tesouro Nacional banque a equivalência de taxas. Mesmo com as possibilidades aventadas pelo governo para resolver o problema do banco em 2009, há, claramente, uma questão estrutural ainda não equacionada: de que maneira o BNDES se suprirá de fontes baratas de recursos para financiar empreendimentos públicos ou privados a juros menores que os de mercado.