Título: Repatriação em pauta
Autor: Monteiro , Luciana
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2008, EU&, p. D1
Dólar em alta e juros elevados podem ser uma boa combinação para estimular os investidores a trazerem de volta recursos ilegais mantidos no exterior. Aguardada há anos pelas áreas de private bank e gestão de fortunas no país, a proposta de anistia para recursos não-declarados protocolada na terça-feira no Senado pode representar um empurrão a mais para um setor que cresce a passos largos no Brasil.
O projeto de lei foi elaborado pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS) e poderá trazer bilhões de recursos para o país. Pela proposta, quem tiver bens ou direitos no exterior não-declarados e quiser trazê-los de volta pagará imposto de renda de 8%. Essa alíquota pode cair para 4% se esses recursos forem aplicados em cotas de fundos de investimento dedicados ao financiamento de projetos de infra-estrutura. Neste caso, será preciso manter os recursos aplicados no fundo por pelo menos cinco anos.
O longo processo inflacionário vivido pelo país levou muita gente a buscar uma proteção do patrimônio em dólar, mandando os recursos para fora de forma irregular. Com a estabilização da economia, no entanto, muitos queriam trazer de volta o dinheiro. O problema é que esses recursos não haviam sido declarados e, ao retornar, o investidor teria sérios problemas com o fisco.
Mas após cinco anos de alta consecutiva da bolsa, a situação começou a incomodar ainda mais, já que esses investidores não podiam pegar carona na valorização das ações. Num setor avesso a números, os especialistas calculam que há pelo menos US$ 70 bilhões mantidos por brasileiros ilegalmente lá fora.
Os clientes com recursos não-declarados no exterior se mostram bastante incomodados com essa situação de irregularidade, diz um executivo da área de private bank que pediu para não ser identificado. "Muitos são empresários que mandaram dinheiro para fora nas décadas de 80 e 90 por conta da instabilidade econômica do país", diz. "Agora, ele corre um risco de imagem enorme, já que a fiscalização da Receita Federal está bastante forte e, caso essa situação seja trazida à tona, ele pode ser considerado um criminoso de uma hora para outra."
Para esse executivo, as circunstâncias não poderiam ser melhores para a repatriação desses recursos não-declarados. "É a oportunidade de esquentar um dinheiro frio num momento em que as taxas de juros estão altas, sem falar na valorização do dólar que, no momento da conversão, resultará num patrimônio maior em reais", diz. "Há também a debilidade de muitas instituições financeiras internacionais, e o cliente viu que elas não são tão seguras quanto ele imaginava."
Segundo ele, a instituição na qual trabalha pensa, inclusive, em fechar um acordo com um escritório de advocacia para dar apoio jurídico aos clientes que quiserem repatriar os recursos. "Nós somos os maiores interessados que esse dinheiro volte para o Brasil."
Um consultor financeiro com passagem por bancos na Suíça acredita que o ponto principal para se decidir sobre o retorno dos recursos ao Brasil não é a redução do imposto de renda, mas a crença nas instituições brasileiras. "Esse dinheiro não saiu do Brasil apenas para fugir de imposto, mas também por falta de confiança no país, risco de confisco, medo de desvalorização cambial e até ocultação de riqueza por segurança pessoal e da família", comenta. Agora, para trazer parte ou o total do dinheiro de volta, ele tem de retomar a confiança em todos esses fatores antes questionados. "Será que a economia brasileira já está madura o suficiente para isso?"
Para ele, a discussão sobre os milhares de grampos telefônicos no país é um exemplo de arbitrariedades que essas pessoas podem querer evitar e, portanto, manter os recursos lá fora e ocultos. "Há o medo de haver uma lista de quem trouxe dinheiro anistiado e que essas lista vaze, contaminando a imagem dessas pessoas", diz. Outro temor é que a Receita Federal fique futuramente no encalço daqueles que assumirem que tinham dinheiro ilegal fora do país. O profissional atuava em um banco na Suíça quando foi determinada anistia similar na Itália e viu muito dinheiro retornar àquele país, em um processo que considerou bem-sucedido. "Porém, comenta-se que em poucos anos cerca de um terço do dinheiro que havia retornado à Itália já estava de novo fora do país, pela persistência do medo dos italianos com relação às instituições locais ou medo de excesso de fiscalização."
A iniciativa de incentivar a repatriação de capitais é positiva, mas o momento de crise financeira não estimula os investidores de alta renda a trazerem os recursos não-declarados de volta, avalia o advogado Léo Rosenbaum, do escritório Rosenbaum Advocacia. Ele conta que antes, quando a exuberância prevalecia no mercado financeiro, muitos clientes procuravam formas de trazer o dinheiro do exterior para o Brasil. "Agora, a situação mudou, pois muitos têm dúvidas se os reflexos da crise no Brasil ainda não ficarão maiores", diz.
Segundo Rosenbaum, vários clientes preferem neste momento manter os recursos em dólar, por acreditarem que, assim, estão mais seguros contra a crise, embora a economia americana esteja sofrendo fortemente com as turbulências. "Se essa medida fosse tomada durante o período de euforia, acho que os reflexos seriam maiores, mas, com o dólar subindo, esses investidores estão preferindo esperar", diz o advogado. "A proposta tenta trazer recursos para os cofres públicos a fim de gerar caixa para o país num momento de uma crise de liquidez mundial."
Para um consultor financeiro, atualmente é muito mais arriscado deixar o dinheiro em bancos no exterior do que trazê-lo para o mercado brasileiro. Além do dólar estar mais valorizado, ele lembra que o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo. Nem todo dinheiro que está fora deverá ser repatriado, até porque muitos recursos têm origem ilícita, afirma. "Mas, para quem tem dinheiro no exterior não-declarado, mas com origem comprovada, a proposta abre uma ótima oportunidade para a regularização", diz.
Há, no entanto, quem questione a proposta em tramitação no Senado. "Quem mandou dinheiro para fora sem declará-lo tem de ser preso e não ter anistia fiscal só porque o governo quer compensar o fluxo de saída de dólares do país", diz outra fonte do mercado que preferiu não se identificar.