Título: Equador questiona dívida de US$ 243 mi com o Brasil
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, Brasil, p. A7

O governo do Equador anunciou ontem que pediu a abertura de arbitragem internacional questionando a legalidade de uma fatia da dívida que tem com o Brasil. O alvo é um crédito de US$ 242,96 milhões concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção de uma hidrelétrica no Equador. A obra foi executada por um consórcio liderado pela construtora Norberto Odebrecht, que entregou a obra no ano passado.

A iniciativa surpreendeu autoridades do governo brasileiro que esboçaram ontem mesmo possíveis reações à medida.

O anúncio foi feito pelo presidente equatoriano, Rafael Correa, na apresentação de um relatório sobre a dívida externa do país que aponta "ilegalidades" e "ilegitimidades" em US$ 3,9 bilhões do que o país tem a pagar - o que equivale a 40% do débito total que em agosto estava em US$ 10,3 bilhões. Formada em 2007 pelo governo, a comissão diz ter auditado dívida contraídas entre 1976 e 2006 e recomenda o não-pagamento da fatia considerada ilegítima. A comissão diz que muitos débitos foram feitos sob condições que feriam leis e normas do país. O estudo analisou dívidas comerciais (com o sistema financeiro internacional), multilaterais (com organismos financeiros internacionais) bilaterais (de governo a governo) e a relacionada à emissão de títulos.

O documento abre um destaque para a dívida com o Brasil, que em dezembro era de US$ 554 milhões, ou 52,4% do total das dívidas bilaterais equatorianas. O principal ponto é o crédito outorgado pelo BNDES para a hidrelétrica de San Francisco - cuja paralisação temporária por problemas técnicos este ano acabou desencadeando um onda de críticas de Correa. A empresa acabou expulsa do Equador.

O presidente Fundo de Solidariedade equatoriano, Jorge Glass, disse que o crédito de US$ 243 milhões do BNDES estabelece um mecanismo de pagamento sustentado no Convênio de Compensações Recíprocas (CCR) de comércio exterior da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), formado pelos bancos centrais de países-membros.

No entanto, disse ele ao jornal "El Universo" que "fica claro que não houve exportação de todos os bens (para a construção da obra) do Brasil, por exemplo, cimento, ferro, máquinas, que vieram da Europa, e o equipamento eletromecânico, pois houve mau uso desse sistema de pagamento da Aladi". O documento fala em "indícios de ilegalidade", de "ilegitimidade" e de "más práticas". O pedido de análise foi apresentado na quarta à Câmara de Comércio Internacional (CCI), em Paris, disse Glass.

Correa já vinha dando sinais de que lançaria dúvidas sobre a operação com o BNDES, mas uma autoridade do governo brasileiro familiarizada com as relações Brasil-Equador disse ao Valor que a decisão de recorrer a uma instância internacional pegou Brasília "totalmente de surpresa". "O governo dialoga diariamente com o governo do Equador sobre outros temas e eles tiveram diversas oportunidades de nos dizer que estavam planejando tomar essa medida", disse. "Essa não é uma atitude comum entre países que mantêm uma relação de amizade.". Ontem já circulava no Itamaraty sugestões de reação ao Equador.

O BNDES não quis comentar o assunto. Mas fontes do banco argumentam que não existe uma dívida do Equador com o banco pois foi feito como operação do CCR. O CCR, uma espécie de garantia contra calotes nas transações comerciais entre os países da região, funciona como uma câmara de compensação entre bancos centrais. Por meio do sistema, BNDES recebe do Banco Central brasileiro o retorno dos financiamentos concedidos. A cada quatro meses os BCs fazem um acerto de contas. Por esse mecanismo, quem assumiria o risco de uma eventual inadimplência do Equador seria, em última instância, o Tesouro brasileiro. A primeira parcela do crédito foi paga por em junho por Quito; a segunda vence em dezembro.

Após receber o relatório, Correa disse que o governo não pagará partes dívida externa que considerar "ilegítima, corrupta e ilegal".