Título: Regulação precisa acompanhar sofisticação dos derivativos
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, Brasil, p. A3
As empresas latino-americanas buscaram reduzir a exposição cambial e também os riscos das suas dívidas em dólar, mas o uso cada vez maior de derivativos que acompanhou esse processo também exige atenção dos órgãos de regulação e supervisão do mercado. Um relatório do Fundo Monetário Nacional (FMI) analisou a redução da vulnerabilidade das empresas ao câmbio, em termos de dívida em dólar, e concluiu que o setor produtivo foi pró-ativo na mitigação dos riscos depois das crises financeiras que ocorreram nos anos 90, no que foram auxiliadas tambem pela melhora das políticas macroeconômicas.
O trabalho afirma, no entanto, que ainda há questões a serem trabalhadas, uma vez que, nesse processo de redução de risco cambial, as empresas não apenas passaram a tomar mais financiamento doméstico, mas recorreram ao uso dos derivativos. Além disso, no caso das pequenas empresas ainda parece haver exposição ao risco cambial. Esse aspecto relacionado aos derivativos ficou mais claro após episódios recentes no Brasil e México, nos quais empresas tiveram fortes perdas por conta de operações com esses instrumentos financeiros, que não são contabilizados em balanço.
"É preciso aprofundar o entendimento sobre os efeitos das transações não-contabilizadas nos balanços na exposição cambial das empresas, especialmente no México e Brasil, onde os mercados estão mais sofisticados", afirma o texto. "À medida que os derivativos vão ficando mais sofisticados e complexos, é importante que o arcabouço regulatório se adapte e que as práticas de supervisão prudencial sejam reforçadas"", conclui o relatório, apresentado ontem no Encontro Latino Americano da Sociedade Econométrica (Lames, na sigla em inglês) e da Associação de Economia da América Latina e do Caribe (Lacea), realizado no Rio pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
De acordo com dados mostrados por Herman Kamil, economista do FMI, do universo total de companhias abertas dos setores não-financeiros no Brasil, pouco menos de 30% participavam do mercado de derivativos cambiais em 1998. Em 2006, esse percentual já tinha chegado a 60%. Aparentemente isso contribuiu para redução da exposição cambial, uma vez que outros dados consolidados pelo estudo apontam que entre 1995 e 1998 era de 34,7% o percentual de empresas expostas a flutuações do câmbio, o que equivalia a 76% do valor de mercado total das companhias. Já entre 2004 e 2007, o percentual caiu para 17%, o que em capitalização de mercado seria algo em torno de 10,8%.
O relatório observa que na Colômbia, país em que o uso de derivativos cambiais cresceu bastante pelas firmas, foram encontrados dados e pesquisas que permitem evidenciar melhor que esses instrumentos foram usados para evitar descasamentos nos balanços. No Brasil e no México, conforme o estudo, não há ainda dados e pesquisas que permitam ter evidências tão fortes quanto na Colômbia de que o uso dos derivativos foi mais forte para essa proteção do que para a especulação.
Num outro capítulo do relatório regional, apresentado pela economista Ana Corbacho, o FMI analisa as tendências para a economia da região, que começou mais recentemente a sentir os impactos da crise financeira americana. A queda significativa nos preços das commodities e o grande estreitamento no crédito são apontados com os principais mecanismos de contágio para a região, que, assim como o mundo todo, deve sofrer também com a menor demanda dos países desenvolvidos, o que afetará a balança comercial. Em face do agravamento do cenário, o FMI reduziu novamente a projeção de crescimento para a América Latina, em 2009, de 3% para 2,5%.
Ao comentar o relatório do FMI para a América Latina, o presidente da Lacea, Maurício Cárdenas, disse que tinha uma visão que vai no mesmo caminho da entidade, porém ainda mais pessimista. Ele acredita que uma verdadeira implosão do consumo deve ocorrer devido a uma combinação de redução forte e encarecimento do crédito com fatores psicológicos, que devem levar as pessoas a temer pelo futuro e gastar menos.