Título: Bombeiros do DF de volta para casa
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 05/02/2010, Mundo, p. 17

Dois militares relatam ao Correio os momentos dramáticos de resgates em Porto Príncipe

¿Eu não vou me esquecer nunca do Haiti. Como um todo¿ Essa foi a resposta do bombeiro Paulo César Coelho, de 35 anos, ao ser questionado sobre qual lembrança da viagem ao Haiti provavelmente não lhe sairá da cabeça. As memórias dos 21 dias em Porto Príncipe, capital haitiana, são impressionantes. Resgates, recolhimento de corpos, crianças pedindo comida, o cheiro de cadáveres em decomposição. ¿Parecia mais uma cena de guerra do que de uma catástrofe natural¿, afirma o colega Ivan Santos, 34 anos. Ambos chegaram a Brasília na madrugada de ontem, com 19 companheiros.

Os dois militares garantem que uma das cenas mais marcantes da operação foi o resgate do corpo de uma franco-brasileira, ocorrido no terceiro dia após o tremor de magnitude 7 na escala Richter. ¿Um senhor estava arrancando pedras com as mãos e gritava pela filha, em francês. A moça se chamava Olívia e estava sob os escombros¿, recorda Paulo César. ¿Ele estava conversando com a filha pelo Skype (software de videoconferência pela internet) na hora do terremoto e nos deu todas as coordenadas de onde ela estava: sentada em uma mesa do lado da cama, com o notebook à sua frente. Graças às orientações dele, conseguimos localizar o corpo da moça¿, completa Ivan. A equipe pediu para que o homem não visse o cadáver da filha, em adiantado estado de decomposição. O pai aceitou e fez o reconhecimento do corpo de Olívia pelas roupas que ela usava na hora do tremor. Segundo Paulo César, a franco-brasileira havia nascido em Curitiba.

Dos vários momentos emocionantes, Ivan se recorda de duas crianças que passavam o dia próximo às ruínas do Hotel Montana ¿ de onde os bombeiros retiraram com vida a dona do hotel. ¿As crianças ficavam nos observando e nos ajudavam trazendo água, cadeira para a gente sentar, essas coisas¿, explica.

Órfãs

Ao conversar com as crianças, Ivan soube que elas tinham perdido a mãe, que estava em uma casa ao lado do hotel. Apesar de abatidas, as duas estavam sendo cuidadas pelos tios e se mostravam curiosas com o resgate.

Os 21 bombeiros de Brasília enfrentaram réplicas do terremoto enquanto estavam em Porto Príncipe. ¿A sensação da terra tremendo embaixo de você é assustadora¿, admite Paulo César. Quando houve o tremor de magnitude 6.1, a equipe descansava no quartel. ¿Todo mundo acordou e saiu correndo para o meio do pátio¿, recorda. Outro abalo os surpreendeu durante as operações de resgate. ¿Nos dividimos em frentes de trabalho que se revezavam. Quando a terra tremeu, eu descansava, deitado em um papelão no chão. Levantei em um pulo com o tremor¿, recorda. ¿Aí vimos que estava todo mundo bem e cada um voltou ao que tinha que fazer.¿

¿A imagem do Haiti é muito impactante, você se depara com muita pobreza. Eu achei que a destruição fosse algo mais localizado, mas ela aconteceu em toda Porto Príncipe¿, constata Ivan. Paulo César confirma ter se impressionado. ¿O que passa na TV é real, mas o choque é maior ao vivo.¿ Eles assumem que era complicado ver pessoas pedindo água e comida. ¿De qualquer maneira, foi muito gratificante. Uma grande honra¿, atesta Paulo César.

Apelo à fé antes do veredicto

Dez missionários norte-americanos detidos na sexta-feira passada enquanto tentavam retirar 33 crianças do Haiti foram acusados de sequestro e associação para fins criminosos. A informação foi confirmada, no fim da tarde de ontem, pelo ministro da Informação haitiano, Marie Laurence Lassegue. Antes do veredicto, os cinco homens e cinco mulheres ¿ membros de uma igreja ¿ oraram. Ao saberem da acusação, deixaram o escritório do vice-promotor Jean Ferge Joseph e foram levados para a prisão. Os réus evitaram os repórteres e entoaram cânticos religiosos. Os estrangeiros foram presos quando tentavam passar as crianças para a República Dominicana, sem apresentar documentação.