Título: Supremo critica PF ao julgar Medina
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, Política, p. A6
O Supremo Tribunal Federal (STF) fez diversas advertências à Polícia Federal durante o segundo dia de julgamento do ministro Paulo Medina, ontem. Lula Marques/Folha Imagem Ministros do STF fazem alertas contra supostos abusos na investigação envolvendo o banqueiro Daniel Dantas
Medina é o primeiro magistrado de tribunal superior julgado por suspeita de corrupção. Ele foi afastado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio de 2007, após a Operação Hurricane, que investigou um esquema de venda de decisões judiciais para empresários de jogos de azar.
Ontem, os ministros do STF negaram todas as preliminares alegadas pelos advogados de Medina e de outros acusados na operação para anular as provas obtidas pela PF. Com isso, eles mantiveram as provas contra o ministro afastado, o que aumentou a possibilidade de a denúncia contra ele ser aceita na quarta-feira, quando o julgamento será retomado.
Por outro lado, os ministros fizeram duras críticas aos métodos de investigação da PF, em especial às interpretações feitas pelos delegados sobre o conteúdo das escutas e à prorrogação dos "grampos" telefônicos por prazos indefinidos e sem justificativa formal. Ao fazê-lo, eles deram um novo alerta contra supostos abusos da PF na Operação Satiagraha, envolvendo o banqueiro Daniel Dantas.
"Juiz não é sócio de delegado ou de procurador. Juiz faz o controle do processo", disse o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Sem citar nomes, Mendes se referiu às suspeitas de que o juiz Fausto De Sanctis, responsável pela Satiagraha, atuou em parceria com o delegado Protógenes Queiroz e o procurador Rodrigo de Grandis. "E nem cabe a delegado defender juiz publicamente", continuou o presidente do STF. "Se esse consórcio existe, é espúrio."
Mendes atacou as análises feitas por delegados sobre escutas telefônicas. "Hoje, temos os hermeneutas dos grampos." Para ele, a PF deveria se limitar a transcrever o conteúdo das fitas. "Não temos como controlar vazamentos de informações e há casos de chantagens. Há todo um mundo sórdido e é preciso que haja limites para isso."
O ministro Celso de Mello também criticou as interpretações de "analistas anônimos da PF". "Eu tenho a mão trechos em que os diálogos não são reproduzidos textualmente como deveriam sê-lo. A transcrição é a reprodução literal. No entanto, o que vimos é espantoso e preocupante porque agentes policiais estão interpretando os diálogos e transmitindo a sua versão. Isso não pode ser admitido por essa Corte."
Os ministros fecharam a posição de que as escutas não podem ser feitas indefinidamente. A prorrogação das escutas deve ser fundamentada pelo Ministério Público a cada 30 dias para a devida autorização do juiz.
Celso de Mello também contestou o fato de o MP não ter feito a transcrição total das fitas da Operação Hurricane. Isso não teria permitido o exercício da defesa pelos advogados dos acusados. Mas o relator do processo, ministro Cezar Peluso, explicou que há 40 mil horas de gravações. "Não quero dizer quantos anos levaria a transcrição disto aqui", disse Peluso. O relator ressaltou que a defesa teve acesso às mídias com as gravações e, por isso, não haveria a necessidade de passar o conteúdo para o papel. A maioria dos ministros acompanhou Peluso. "Me basta saber que a defesa teve acesso ao conteúdo das escutas", disse o ministro Ricardo Lewandowski.
O ministro Eros Grau advertiu que a decisão pela validade das escutas da Operação Hurricane não deve ser entendida como "abertura para bisbilhotice".
O julgamento foi iniciado na quarta-feira, com a apresentação da defesa dos advogados de Medina e dos demais acusados: o irmão do ministro, Virgílio Medina, o desembargador federal José Eduardo Carreira Alvim, o juiz do Trabalho Ernesto Pinto Dória e o procurador-regional da República João Sérgio Leal Pereira.
O desembargador federal José Ricardo de Siqueira Regueira também era investigado e morreu em julho passado.
Para Peluso, esse é o caso mais grave no Judiciário, pois envolve suspeitas contra juízes. "O Judiciário suporta distorções da imprensa e críticas infundadas de ignorantes. O que ele não suporta é a perda de sua credibilidade."