Título: Petare, o símbolo do chavismo em xeque
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, Especial, p. A10

Maria Gil tem 50 anos, mas aparenta muito menos e faz jus à fama de beleza das venezuelanas. Ela estava lavando as escadas que levam à sua casa na favela do Petare, quando chegou a caminhada do candidato oposicionista Carlos Ocariz, na quarta-feira. "Eu nunca saio para votar nas eleições municipais, mas dessa vez é bem capaz que vou votar nele", afirmou ao Valor, explicando suas filhas, de 26 e 28 anos, estão fervorosamente a favor do candidato.

O maior desafio do jovem Ocariz, que tem apenas 35 anos, para conquistar a prefeitura do município de Sucre, na grande Caracas, é convencer eleitores como Maria a comparecer às urnas nas eleições municipais e estaduais do próximo domingo. Se conseguir essa façanha, ele infligirá ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, sua mais dolorida derrota eleitoral.

Sucre não é uma cidade qualquer. É um símbolo. Além de ser o maior município do país, superando em população 16 Estados, 85% de sua área é dominada pelo complexo de favelas do Petare, com quase 400 mil habitantes, o maior e mais violento da América Latina. Tradicional reduto chavista, o Petare surpreendeu ao dizer não no referendo proposto pelo presidente em dezembro do ano passado, que previa, entre outras medidas, a reeleição indefinida.

Agora as pesquisas, que não são muito confiáveis na Venezuela, apontam que Ocariz tem uma vantagem de 5 a 16 pontos para o candidato da situação, Jesse Chacón, um homem de confiança de Chávez. O presidente venezuelano está tão preocupado com o resultado das eleições em Sucre, que, na semana passada, esteve três vezes em pessoa percorrendo o Petare com seu candidato.

"Não estamos brigando contra um candidato ou um prefeito, mas contra o Estado completo", disse Ocariz a um grupo de jornalistas estrangeiros no início de uma caminhada pela favela, que prometia durar oito horas. Ele acusou Chávez de distribuir máquinas de lavar e geladeiras a população como "doação do Estado" e garantiu que sua campanha é austera, embora assessores confirmem que, com o apoio da iniciativa privada, Ocariz gastou bastante dinheiro.

Como todo bom político, o jovem de boa aparência suava enquanto percorria as ruelas, entrava nas casas, apertava as mãos e beijava as crianças. Com um discurso que funcionou para Luiz Inácio Lula da Silva e para Barack Obama, Ocariz prometia "câmbio" (ou mudança, ou change), com a ajuda de um pequeno caminhão com auto-falante, que cantava seu jingle em ritmo de salsa, música afro e até um batuque parecido com samba. Em qualquer idioma ou ritmo, a mensagem da palavra é uma só: esperança.

O esforço da campanha de Ocariz é convencer os moradores do Petare de que ele é um deles. Quando um jornalista americano pediu para o candidato gravar um depoimento inglês, ele respondeu que não gostaria, porque estava em campanha. Com pós-graduação em Montreal, Canadá, e passagem pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington, o engenheiro Ocariz deve falar inglês fluentemente, mas quer afastar a imagem de filho favorecido da classe média.

Do seu lado nesse esforço, está o trabalho comunitário de mais de 15 anos no Petare, que começou na época da graduação na Universidade Metropolitana de Caracas. Foi eleito deputado pelo município de Sucre em 2001 e é um dos fundadores do partido Primeiro Justicia, que começou como uma organização-não governamental que oferecia assessoria jurídica grátis na favela.

Infelizmente o trabalho da ONG fez muito sucesso, porque Sucre é o município com uma das mais altas taxas de homicídio do mundo. Foram 700 assassinatos em 2007 ou 94 pessoas para cada 100 mil habitantes. Os dois candidatos não apresentam propostas claras sobre como resolver um problema dessa magnitude. A falta de segurança é o principal apelo entre os eleitores, sejam eles chavistas ou oposicionistas, e, em meio as carreatas políticas, pipocam as histórias de familiares perdidos.

É o caso de Adelaida Aguilera, uma senhora de 57 anos que se aproxima da reportagem do Valor com o neto de 2 anos, Maycon, nos braços. Ela conta que, há seis meses, perdeu seu filho Roni, que foi baleado após sair de uma festa na favela e agora cuida do neto. Ou como Marilyn Barreto, 29 anos, cuja perda do irmão, Daniel, completa dois anos no dia da eleição. Ele foi baleado enquanto andava de moto. "Estou buscando justiça", disse Marilyn com camiseta, boné e bandeira de Ocariz.

Petare parece partido ao meio entre opositores e defensores do chavismo. Segundo pesquisa da consultoria Datanálisis, realizada no final de setembro, 38% das pessoas são ligadas à oposição, 36% a Chávez e 24% não se identifica com nenhum dos dois. Em Caracas, são conhecidos como "ni-nis", "ni gobierno, ni oposición". A rejeição de Ocariz é baixa nesse grupo: 21% dos "ni-nis" disseram que nunca votariam nele, contra quase 54% de Jesse Chacón. Novamente é bom lembrar que as pesquisas costumam falhar na Venezuela.

Chacón ocupou os cargos de ministro do Interior e Justiça e das Comunicações. Em sua biografia, estão dois episódios bastante polêmicos. Ele esteve ao lado de Chávez na tentativa de golpe de Estado contra o ex-presidente Andrés Perez em 1992 e ocupava a pasta das comunicações quando a rede de televisão RCTV foi retirada do ar. Mas essa eleição diz pouco respeito a ele. Como acusa a oposição e assumem os chavistas, o presidente plebiscitou o pleito.

Enquanto aguardam o início do comício de Chacón, um grupo de moradores de Sucre afirma ao Valor que quem votar com a oposição está contra Chávez e que isso não é bom para o município. "Se o candidato é do governo, tem que acatar as ordens do presidente", disse Luis Parica, 39 anos, que trabalha como líder comunitário e vive há mais de 20 anos em Sucre.

Como "candidato", Chávez tem bastante trabalho para mostrar no município como a venda de alimentos mais baratos nos Mercais ou a missão Bairro Adentro, em que médicos cubanos sobem o morro e dão atendimento na casa das pessoas. "Nem prefeito, nem governador vão resolver os problemas daqui, só o presidente", disse Parica. As eleições de domingo vão testar como está o prestígio de Chávez na favela do Petare.