Título: Histórico de socorro aos bancos públicos gera preocupações
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, Finanças, p. C3

O que era maldição virou virtude? A crise financeira internacional colocou em relevo o papel dos bancos públicos como instituições que podem ser usadas para suprir o mercado de crédito no momento em que os bancos privados se recolhem. Leo Pinheiro / Valor

Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central: "A questão merece um olhar mais completo de custos e benefícios"

O movimento do Banco do Brasil, que ontem anunciou a compra da Nossa Caixa, e está na corrida para reassumir a liderança perdida com a fusão entre Unibanco e Itaú, porém, traz preocupações legítimas.

A história dos bancos públicos no Brasil é condenável. As instituições estaduais foram usadas com avidez nos anos 80, como instrumento político dos governadores - verdadeiros emissores de moeda - e quase todas quebraram, tendo que trocar de mãos.

O Banco do Brasil, peça chave no financiamento das políticas públicas naquela década, teve que ser capitalizado nos anos 90 por ter chegado a uma situação de deficiência patrimonial.

O Tesouro Nacional, acionista majoritário do banco, aportou R$ 8 bilhões no Banco do Brasil para cobrir as práticas pouco recomendáveis de então.

Na ocasião, aquele valor correspondia a US$ 8 bilhões. Em 2001, num programa de reestruturação dos bancos públicos, o Tesouro Nacional fez uma grande troca de ativos do Banco do Brasil, sobretudo os papéis que o banco verdade assumiu papéis de pouca valia que o banco teve que assumir da dívida externa brasileira, e de lá para cá mudou bastante a governança da instituição.

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (autoridade responsável pela supervisão e fiscalização dos bancos no país), não achava que era maldição nem enxerga hoje como uma virtude a existência de bancos públicos fortes. "Eu não iria tão longe. A questão merece um olhar mais completo de custos e benefícios", disse ao Valor. "Pode ser útil, em certas circunstâncias, e não é fácil definir quais, mas sempre há risco". Ou seja, "no mundo real, os mercados falham, mas os governos também falham", lembra ele.

Os riscos dos bancos públicos vão desde a adoção de práticas no mercado de crédito que gerem desequilíbrios macroeconômicos a, no exemplo brasileiro, de mal uso político dessas instituições. Para evitar a repetição de problemas dessa natureza, é importantíssimo, indica Armínio, dar toda a transparência às operações.

Se os bancos públicos vão suprir a oferta de crédito dadas as restrições do crédito privado, merece uma análise cuidadosa saber porque os bancos privados não estão emprestando, salienta Armínio. Assim como deve haver explicação para o fato de, obedecendo estritamente as regras de mercado, nenhum banco privado ter aparecido para comprar a Nossa Caixa.

Nos Estados Unidos e União Européia, onde não há casas bancárias do Estado, os tesouros saíram a campo para capitalizar os bancos em dificuldades no auge da crise, num modelo que se pressupõe temporário, para evitar risco sistêmico. Mas não é claro que, no geral e como processo de mais longo prazo, expandir o alcance do Estado sobre o sistema financeiro seja a melhor saída e sob que condições isso deveria ser feito.

O vice-presidente de Finanças do Banco do Brasil, Aldo Mendes, acredita que não há mais ambiente e as regras de boa governança já implantadas no BB não mais permitiriam que influências políticas levem o banco a conduzir mal seus negócios. A crise financeira e seus reflexos no sistema bancário nacional mostraram, disse ele, que não é a origem do capital, se estatal ou privado, mas a "higidez" do banco que está fazendo a diferença nesse momento. Mudanças radicais foram feitas no BB nos últimos anos e "esse é um processo que não tem mais volta".

O Banco do Brasil, que antes era apenas uma variável na grande equação da gestão das finanças públicas no país (nos tempos da conta movimento e do orçamento monetário), hoje, afirma o vice-presidente, é uma instituição mais blindada, que está no novo mercado e deve satisfações aos seus acionistas.

Em 2000 o BB comprometia 99% da sua receita operacional com custeio da máquina. Hoje esse percentual caiu para 45%, o que significa que a instituição está no padrão de eficiência do mercado e deve resultado aos acionistas, que em dois anos praticamente triplicaram, passando de 7% para 21% do capital.

O acerto com a Nossa Caixa vai dar ao BB duas enormes vantagens, indica Aldo Mendes: o banco passará a ser o primeiro em número de agências (1324) no estado de São Paulo, onde até agora é o quarto (com 772 agências), seguido do Itaú-Unibanco, com 1240 agências, 1204 do Santander e 1168 do Bradesco, ganhando musculatura no maior estado do país; e compra uma instituição com enorme liquidez, o que hoje está valendo ouro no mercado financeiro.

A Nossa Caixa tem ativos de R$ 53 bilhões e uma carteira de crédito de apenas R$ 11 bilhões. A base de depósitos do banco paulista ("core deposit") é de depósitos judiciais, a vista e poupança, que não são suscetíveis a corrida em momentos de crise. Ou seja, o vice-presidente diz que "no limiar, o BB vai pagar a compra com a liquidez".

Aldo Mendes avalia que o negócio estará fechado mesmo até março, se tudo correr bem, pois a operação terá que ser aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, pelas assembléias dos dois bancos e pelo Banco Central. "Esse é um cronograma ambicioso", concluiu.