Título: Caixa, para que te quero
Autor: Fregoni , Silvia
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, EU& Investimemtos, p. D1

O momento é de oportunidades evidentes, pois as empresas estão baratas na Bovespa e fora dela. A dúvida é saber se agora é a melhor hora para aproveitá-las. Não são apenas os investidores que enfrentam esse dilema, vendo ações abaixo do valor patrimonial. As companhias capitalizadas também têm consciência de que pode ser um bom momento para aquisições, já que os ativos estão depreciados. A questão que precisam enfrentar é saber se é oportuno gastar o caixa, sem conseguir estimar quanto tempo vai durar o aperto de crédito global. Antes o caixa era rei, agora é Deus, ironiza um banqueiro de investimentos.

Analisando as possibilidades de negócio todos estão. Mas isso não quer dizer que haverá muitas transações. Ainda assim, algumas companhias já se arriscam a declarar que devem aproveitar os preços baixos para ir às compras.

"Para nós, a crise gerou mais oportunidades do que problemas", afirma José Rogério Luiz, vice-presidente da companhia de softwares de gestão Totvs. "Está no nosso DNA", disse, referindo-se às aquisições. O foco das transações será América Latina, de acordo com o executivo. Mesmo depois de se unir à Datasul e gastar R$ 480 milhões em dinheiro, a companhia terminou setembro com R$ 144 milhões em caixa, o que não é pouco para um setor repleto de pequenas empresas.

A Totvs não está sozinha no grupo de companhias com estrutura financeira confortável. Com a ajuda de uma economia acelerada e da elevada liquidez financeira até o primeiro semestre deste ano, as empresas engordaram o caixa no terceiro trimestre. Fecharam setembro com quase R$ 170 bilhões estocados, um salto de 25% num único trimestre. Comparado ao mesmo período do ano passado, o aumento é de 38%. Só as ofertas de ações, fonte de recursos não disponível no momento, contribuíram com pouco menos de R$ 100 bilhões para esse total, de 2004 até junho deste ano.

Os balanços das companhias foram espetaculares no terceiro trimestre, mas muito dificilmente serão repetidos no período de outubro a dezembro. Levantamento feito pelo Valor com base no banco de dados da consultoria Economática e nos balanços mostra que a receita de vendas de 261 empresas abertas somou R$ 261,3 bilhões no trimestre, 31% acima do mesmo período de 2007. O lucro operacional antes do financeiro cresceu 28%, para R$ 59,6 bilhões.

O resultado líquido acabou prejudicado pela variação cambial sobre as dívidas em dólar e pelas apostas com derivativos, que elevaram a despesa financeira líquida para R$ 13,6 bilhões, comparada a R$ 2,8 bilhões do ano anterior. Ainda assim, o conjunto de companhias abertas fechou o trimestre com lucro líquido de R$ 30,9 bilhões, 31% maior. No entanto, se Petrobras e Vale - que tiveram aumentos expressivos de lucro e que, pelo tamanho, distorcem a amostra - forem retiradas, há uma redução de 43% no resultado.

Mas a boa situação financeira de grande parte das empresas não é garantia de que elas vão esbaldar-se em aquisições. "Está claro que a onda de fusões e aquisições não será igual à do ano passado", diz Eduardo Redes, sócio da Ernst & Young, referindo-se aos sucessivos recordes em quantidade e volume de negócios. Segundo ele, as próximas transações serão compras estratégicas, feitas por empresas com situação financeira robusta. "Outras companhias vão primeiro confirmar seus planos de negócios, diante da desaceleração da economia, para só depois pensar em consolidação."

Reginaldo Alexandre, vice-presidente da Associação dos Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-SP), ressalta que o mercado está bastante conservador. Por isso, antes de anunciar compras e esperar por compreensão dos investidores, as empresas terão de buscar ativos que realmente façam sentido ao negócio. "É preciso contar com um ano de aperto de crédito", acredita ele.

A Cemig, por exemplo, tem um plano por trás do anunciado apetite para compras. A companhia, que já é sócia da distribuidora fluminense Light, quer expandir sua presença fora de Minas Gerais. Luiz Fernando Rolla, diretor de finanças e relações com investidores, diz que a Cemig está pronta para aproveitar as oportunidades que surgirão no setor, de empresas muito alavancadas e sem condições de refinanciar as dívidas que serão obrigadas a vender ativos nos segmentos de geração e transmissão.

Já a Bematech, que vem crescendo com aquisições (foram sete, em dois anos), está duplamente atenta: às oportunidades e aos reflexos da crise sobre suas atividades. Marcel Martins Malczewski, presidente da companhia, terá que ponderar essa equação antes de acelerar os negócios. O alvo das aquisições agora, segundo ele, são empresas de software, segmento que no terceiro trimestre representou 9% da sua receita.

Companhias que foram conservadoras no passado, agora podem se beneficiar do caixa maior e da queda nos preços. "Há empresas que planejaram compras e não as fizeram. Por isso, estão capitalizadas", destaca Renato Stetner, sócio do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados.

Vale do Rio Doce e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) são exemplos disso. Ambas estiverem prestes a fechar grandes negócios no mercado internacional - Xstrata e Corus, respectivamente - mas não concretizaram as operações. Agora, estão com recursos no caixa para enfrentar a crise ou comprar ativos. A Vale, pouco antes do fechamento do mercado para captações, levantou R$ 19,4 bilhões com uma oferta de ações. Já a CSN receberá R$ 3 bilhões, até o fim deste mês, em razão da venda de parte da Namisa. É razoável imaginar que elas estejam pensando a todo momento em aquisições.

Marcos Rafael Flesch, advogado de fusões e aquisições do Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch, conta que as companhias no geral seguem avaliando as oportunidades, mas o ritmo dos negócios está menor. Além disso, ele destaca que há uma preferência pelo vendedor, nos negócios entre empresas, por pagamentos em dinheiro. "Quem pagar com recursos vai conseguir um desconto maior", avalia Redes, da Ernst & Young, ressaltando a vantagem da liquidez nesse momento.

Mas transações com troca de ações também terão espaço. Para Luiz Muniz, presidente do banco de investimento Rothschild, como o dinheiro está escasso, as empresas podem economizar com o modelo. Também pode ser uma forma de estimular o vendedor a fazer negócio mesmo num momento de valor baixo dos ativos. "A troca de ações minimiza a assimetria de preços que pode existir numa compra em dinheiro", disse. Nesse modelo, o que importa são os valores relativos e não absolutos.

Embora espere-se alguma parcimônia dos compradores, alguns negócios serão acelerados pela necessidade dos vendedores, que não conseguirão liquidez para a continuidade normal de suas atividades. Pouco antes do pior da crise, a Gafisa absorveu a Tenda numa transação relâmpago. (Colaborou Vanessa Adachi)