Título: Lula abre caminho para criação de supertele
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2008, Empresas, p. B3

Ao assinar, ontem, o decreto que altera as regras da telefonia fixa e permite à Oi seguir adiante com o processo de compra da Brasil Telecom (BrT), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou o poder de barganha da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a negociação de contrapartidas na análise do negócio. A união entre as duas operadoras tornou-se legalmente possível, mas ainda precisa passar pelo crivo do órgão regulador, que ganhou munição extra para arrancar compromissos da "supertele" no processo de anuência prévia. Roosewelt Pinheiro/ABr

Hélio Costa, ministro das Comunicações: "Vencemos principal fase de estudos"

O decreto presidencial manteve a essência da proposta aprovada pelo conselho diretor da Anatel, com pequenas mudanças. A mais importante está na redação do artigo 6º do novo Plano Geral de Outorgas (PGO). Segundo o texto, "as transferências de concessão ou de controle de concessionária deverão observar o princípio do maior benefício ao usuário e ao interesse econômico e social do país".

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, esclareceu que a inclusão da frase não foi feita sob medida para a compra da BrT pela Oi, por se tratar de uma regulamentação mais ampla. Mas reconheceu que terá efeito prático na análise da fusão. "Não chega a ser uma exigência, mas é uma provisão de obrigações. O objetivo é que se faça sempre o trabalho de defender o consumidor."

Na prática, segundo um técnico do governo que acompanha de perto o assunto, reforçou-se o arcabouço jurídico para dar à Anatel musculatura no processo de anuência. Ele mencionou, como exemplo, três possíveis iniciativas da agência: a obrigação de levar a telefonia fixa (linhas para assinantes ou mesmo telefones públicos) a povoados com menos de 100 habitantes no interior do país, principalmente nas regiões de fronteira; a exigência à "supertele" de levar banda larga a 100 mil escolas rurais, onde estudam 15% dos alunos do país; e até a negociação de cláusula para manter temporariamente os empregos. Ao mesmo tempo, esse técnico ponderou que as exigências não podem ser fortes a ponto de neutralizar as sinergias e ganhos de escala provenientes da fusão de estruturas.

O texto final do PGO também traz aperfeiçoamentos, segundo o ministro das Comunicações, no conceito de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e obriga a concessionária ou seu controlador - não há a necessidade de ambos - manter capital aberto em bolsa de valores.

Costa explicou que a medida não altera em nada as práticas atuais das operadoras que atuam no Brasil, mas visa assegurar a governança corporativa em negócios futuros. Isso significa que as operadoras terão de prestar contas aos acionistas minoritários, mesmo que seja por meio de seus controladores, inclusive em eventuais novos processos de aquisição. O decreto se abstém de exigir a separação dos ativos de telefonia e de banda larga das concessionárias em empresas diferentes, conforme queriam dois conselheiros da Anatel, que foram voto vencido nas discussões.

No acordo de compra, a Oi comprometeu-se a pagar multa de R$ 490 milhões à BrT caso não saia até 21 de dezembro a anuência prévia da Anatel. No mercado, já se cogita a possibilidade de uma renegociação do prazo, mas o ministro afirmou que a data ainda é factível. "Vencemos a principal fase de estudos e discussões. Agora estamos na etapa menos problemática. O tempo é suficiente", avaliou o ministro.

Para ele, isso não significa que a Anatel deve correr em sua análise. "Ela não tem que cumprir prazos. Todos os procedimentos estão caminhando sem pressão", garantiu Costa. Ele disse não ver prejuízo à competição no setor e lembrou que a "supertele" nacional ainda não ultrapassará a Telefônica em participação de mercado. Mesmo assim, comemorou a mudança de regras e ressaltou que elas não podiam seguir as definições de dez anos atrás. "Estamos entrando em uma nova era das telecomunicações brasileiras", acrescentou o ministro.

Não é todo mundo que compartilha a opinião de Costa. Três horas após o anúncio de que Lula havia assinado o novo plano de outorgas, o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) entrou na Câmara com um projeto de decreto legislativo para suspender a medida assinada pelo presidente. Para ele, o governo alterou a regulamentação do setor de acordo com o interesse empresarial, e não público. O partido também considera acionar a Justiça. Uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) não está descartada. "É evidente que esta alteração foi casuística e não fruto de uma evolução tecnológica e mercadológica", protestou Jardim.