Título: Especialistas esperam redução do ritmo de redução da pobreza
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2008, Brasil, p. A3
Com a esperada desaceleração do ritmo de crescimento do Brasil, a forte redução da pobreza ocorrida nos últimos anos não deve se repetir em 2009, mas isso não significa que a trajetória será revertida ou mesmo interrompida, dizem especialistas em políticas sociais. A continuidade de programas como o Bolsa Família pode manter a tendência de diminuição do número de pessoas pobres no país no ano que vem, ainda que a uma velocidade mais lenta.
Para Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o novo ambiente econômico causado pela crise global será um "grande teste para a política social". Além de um crescimento mais fraco, alguns analistas temem que a forte desvalorização do câmbio provoque pressões inflacionárias. Segundo ele, se o país continuar a reduzir a desigualdade de renda, o nível de pobreza poderá seguir em queda mesmo com um crescimento mais fraco da economia, embora a um ritmo inferior ao que vem sendo observado recentemente.
Nos últimos anos, dois terços da diminuição da pobreza se deveram ao recuo da desigualdade, disse Paes de Barros, observando que o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo e a expansão educacional tiveram um papel de destaque para tornar o Brasil menos desigual. O crescimento não foi o grande responsável por esse processo.
"A política social dos últimos seis ou sete anos tem demonstrado ser capaz de reduzir a desigualdade em cenários bastante trágicos, como o de 2003", afirmou Paes de Barros, um dos maiores especialistas em política social do país. "Se ela vai conseguir fazer isso de novo, é algo que nós vamos ter que ver, mas nós temos mostrado uma política social bastante robusta."
Ex-economista-chefe do Banco Mundial, François Bourguignon acredita que haverá uma desaceleração no ritmo de redução da pobreza no país, mas não uma reversão. Ele destacou que "políticas de redistribuição muito ambiciosas", como o Bolsa Família, tiveram um papel fundamental na queda do número de pessoas pobres nos últimos anos. Os bons resultados recentes se devem, segundo ele, a uma combinação do impacto de programas sociais com uma aceleração do crescimento da economia. Entre abril de 2007 e abril de 2008, a pobreza caiu 13,5% nas seis maiores regiões metropolitanas do país, de acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Diretor da Escola de Economia de Paris, Bourguignon disse ainda que, num momento de desaceleração da economia, o Bolsa Família tem a importante função de ajudar a amortecer a queda no consumo, fazendo os beneficiários serem menos afetados pela perda de fôlego da atividade. "É o que nós chamamos de estabilizador automático. Isso é importante porque pode se tornar uma política anticíclica", afirmou ele.
Paes de Barros considera que o volume de recursos do Bolsa Família é muito pequeno para ter impacto relevante sobre a demanda agregada. O efeito do programa que mais importa é sobre a vida das pessoas muito pobres. Atendendo 11,1 milhões de famílias, o orçamento do Bolsa Família para este ano é de R$ 10,6 bilhões. Para o próximo ano, deve ficar em R$ 11,4 bilhões.
Professor do Massachussets Institute of Technology (MIT), Abhijit Banerjee acredita que a desaceleração do ritmo de crescimento da economia em 2009 não deve implicar aumento do nível da pobreza no país. "Eu não sou especialista em Brasil, mas acho que boa parte da redução da pobreza se deveu à expansão dos programas sociais", disse ele. Para Banerjee, o crescimento no Brasil não parece ocorrer com uso intensivo do trabalho. Com isso, a queda no número de pobres seria mais um resultado de políticas sociais como o Bolsa Família do que o resultado imediato da expansão da atividade econômica. Nesse cenário, manter os recursos para o Bolsa Família neste momento é fundamental, disse Banerjee.
Ele também considera importante que o programa fique protegido de um eventual impacto da inflação, embora não veja grandes riscos inflacionários no mundo de hoje. Se de um lado o câmbio está em alta forte, de outro as commodities estão em queda livre. Banerjee, Bourguignon e Paes de Barros participaram do Encontro Latino-Americano da Sociedade Econométrica (Lames, na sigla em inglês) e da Associação de Economia da América Latina e do Caribe (Lacea), promovido pela FGV e pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) no Rio, de quinta-feira até ontem.