Título: Futuro nas mãos do STF e de Lula
Autor: Campos, Ana Maria; Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2010, Cidades, p. 23

Supremo analisa pedido de intervenção feito pelo procurador-geral. Se aprovado, caberá ao presidente a nomeação do interventor do DF

Está nas mãos de autoridades dos Três Poderes da República a decisão sobre quem vai comandar a capital do país nos próximos meses. Por iniciativa do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai apreciar pedido de intervenção federal no DF, solução apontada pelo Ministério Público Federal como forma de tirar o poder de administrar e gerir recursos públicos das mãos de autoridades envolvidas nas denúncias investigadas pela Operação Caixa de Pandora. Caso os ministros acatem o pedido, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabelecer quem será o interventor, por quanto tempo ele governará e qual a amplitude da medida, ou seja, se atingirá também a atuação da Câmara Legislativa. O decreto presidencial terá ainda que ser submetido ao crivo do Congresso Nacional.

No pedido, Gurgel fez um balanço da crise no Distrito Federal desde a deflagração da Operação Caixa de Pandora, em 27 de novembro, com indícios de crimes como fraude a licitações, formação de quadrilha, desvios de verbas públicas e pagamentos de propinas. O quadro teria se agravado porque, segundo o procurador-geral da República, o governador afastado José Roberto Arruda (sem partido) continuou usando a máquina administrativa para ¿coagir testemunhas¿ e ¿apagar vestígios¿. A intervenção federal seria um caminho para ¿resgatar a normalidade institucional, a própria credibilidade das instituições e dos administradores públicos, resgatar a observância necessária do princípio constitucional republicano, da soberania popular e da democracia¿.

Roberto Gurgel foi ao STF depois de acompanhar a sessão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que acatou, na tarde de ontem, pedido de prisão preventiva contra o governador Arruda e outras cinco pessoas denunciadas pelo envolvimento no suposto suborno do jornalista Edson Sombra. Os ministros do STJ decretaram também o afastamento do governador do cargo. No lugar dele, assumiu o Executivo o vice-governador Paulo Octávio (DEM). Na avaliação do Ministério Público, a intervenção federal é necessária porque a linha sucessória no Distrito Federal está contaminada, tanto no Executivo quanto no Legislativo.

O vice-governador não é alvo da ação penal protocolada ontem que relaciona crimes de ofensas à ordem pública e da instrução criminal, mas é um dos investigados no Inquérito nº 650 em curso no STJ. É apontado pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa, o delator do suposto esquema de corrupção no DF, como beneficiário de desvios de recursos públicos de empresas prestadoras de serviços. ¿O crime organizado está encastelado no governo da capital da República com indícios de apropriação indébita e desvios de recursos públicos e o Legislativo, a quem caberia julgar, não tem condições mínimas de apreciar as denúncias¿, afirmou Gurgel.

Depois do carnaval

Ao receber o pedido de intervenção, o presidente do STF, Gilmar Mendes, encaminhou ontem mesmo requerimento de informações ao Governo do Distrito Federal. A decisão sobre a intervenção só deverá ocorrer depois do carnaval, uma vez que Gurgel não incluiu na petição um pedido de liminar. Enquanto isso, Paulo Octávio deverá comandar o GDF. Na expectativa de analistas políticos, se o Supremo decretar a intervenção, há possibilidade de o presidente do Tribunal de Justiça do DF, Otávio Augusto Barbosa, recém-eleito para o comando do Judiciário local, assumir o governo. Ele é o terceiro na sucessão, depois do presidente da Câmara Legislativa. Mas pode ser escolhido, embora sua posse esteja prevista para abril.

Na linha sucessória, o comando do DF passa do governador para o vice e, na impossibilidade de estes assumirem, o presidente da Câmara, Wilson Lima (PR), se tornaria governador. Mas essa não é a vontade da Procuradoria-Geral da República e não representaria uma solução, já que todos os deputados da base governistas são direta ou indiretamente investigados. Segundo aliados do Palácio do Planalto, o presidente Lula também poderá optar por juristas ou personalidades com um passado limpo, como o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence, caso aja uma determinação judicial de intervenção. Outro nome ventilado é o do ex-deputado e advogado Sigmaringa Seixas (PT), que é amigo do presidente Lula.

O crime organizado está encastelado no governo da capital da República com indícios de apropriação indébita e desvios de recursos públicos e o Legislativo, a quem caberia julgar, não tem condições mínimas de apreciar as denúncias

Roberto Gurgel, Procurador-geral da República, na fundamentação do pedido de intervenção federal no DF

Juristas temem perda de autonomia

Mariana Moreira e Guilherme Goulart

A possível intervenção federal no Distrito Federal é analisada por juristas. Para o advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, o pedido de intervenção contra o governador Arruda tem características de desrespeito à Constituição Federal. Ele citou, por exemplo, o artigo 34(1), que lista as situações em que a União poderia intervir nos estados ou no Distrito Federal. ¿Esse pedido não se encaixa em nenhuma delas. Não é caso de manter a integridade nacional, reorganizar finanças ou manter a ordem pública. É absolutamente impertinente (o pedido)¿, avaliou.

Velloso acredita que a possível intervenção também passaria por cima da autonomia dos estados e do DF ¿ afinal, não levaria em conta a linha de sucessão do governo. Na ausência do governador e do vice, o cargo ficaria com o presidente da Câmara Legislativa (Wilson Lima) e, em seguida, com o presidente do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (Nívio Gonçalves). ¿Se for aceito o pedido, representará um grave desrespeito à nossa Constituição. Seria rasgá-la. Tudo deve ser feito em respeito à lei¿, afirmou o jurista.

Constrangimento

Para o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coelho, no país impera o princípio da não intervenção da União nos estados. Ele não conhece detalhes da peça judicial, mas acredita que o motivo do pedido esteja expresso no artigo 34 da Constituição. ¿É justificável quando um dos poderes não está atuando por interferência de outro poder¿, explicou. Segundo o jurista, a intervenção é uma medida drástica, radical, e só se justifica quando não há outro meio para assegurar o livre funcionamento dos poderes.

1 - Carta Magna De acordo com o artigo 34 da Constituição Federal, a União não intervirá nos estados nem no DF, exceto para manter a integridade nacional, repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra, pôr termo a grave comprometimento da ordem pública, garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação, reorganizar as finanças da unidade da Federação, prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial e assegurar a observância de princípios constitucionais.

Personagem da notícia Por trás dos escândalos

A sombra de Edmilson Edson dos Santos está por trás dos maiores escândalos políticos no Distrito Federal. No início da década de 1990, quando o DF começou a conhecer as primeiras denúncias sobre grilagem de terras e constituição de condomínios irregulares, ele se tornou um dos maiores informantes sobre o caso. O jornalista municiou a CPI da Câmara Legislativa criada em 1995 para investigar invasores de terras. Tornou-se em seguida assessor do então deputado distrital João de Deus, relator da comissão, que apontou os irmãos Passos (Pedro, Márcio, Alaor e Eustáchio) como os principais grileiros do Distrito Federal. Com sua atitude, Sombra tornou-se inimigo da família Passos e chegou a relatar na época ameaças de morte.

Edson Sombra também é autor de uma denúncia contra o deputado federal Geraldo Magela (PT) por irregularidades supostamente praticadas quando o petista era secretário de Habitação no governo de Cristovam Buarque. Magela sempre negou as acusações e se diz vítima de armação. Nos últimos quatro anos, o jornalista comandou um programa de rádio em emissora que era de propriedade do ex-senador Luiz Estevão, cassado há 10 anos por suposto envolvimento no escândalo de desvio de recursos do fórum trabalhista de São Paulo.

Uma das principais atuações de Sombra tirou do cargo de senador da República o ex-governador Joaquim Roriz. No início de 2007, o jornalista levou ao Ministério Público uma importante testemunha cujo relato resultou nas investigações da Operação Aquarela, que provocou a prisão do ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Tarcísio Franklim de Moura e a renúncia de Roriz após a divulgação de conversas telefônicas sobre a partilha de dinheiro com o empresário Nenê Constantino.

No caso da Operação Caixa de Pandora, Sombra participou ativamente desde o início. Foi dele a ideia de uma delação premiada pela qual Durval Barbosa apresentou várias denúncias de desvios de recursos públicos. Ele conseguiu convencer o amigo de que o melhor caminho para tornar públicas as imagens de corrupção captadas por ele nos últimos anos seria numa colaboração com o trabalho do Ministério Público. Construíram juntos, assim, a derrocada do governo Arruda. Na noite de ontem, Sombra decidiu tirar uns dias de férias. Mas promete continuar em ação. (Ana Maria Campos e Lilian Tahan)