Título: Setor de serviços precisa ter uniformização
Autor: Háfez , Andréa
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2008, Brasil, p. A9

O crescimento do setor de serviços é visto como a promessa para o desenvolvimento da economia. Com preços elevados, por conta de seu perfil de valor agregado, presente em diversas fases de diferentes cadeias produtivas, e com a exigência de mão-de-obra especializada e uma avançada infra-estrutura tecnológica, a área vem se tornando essencial na geração de riquezas do país. Em busca desses resultados, governo e entidades representativas do setor querem mais informações sobre as operações para viabilizar políticas de incentivo. Esse será um dos temas discutidos durante o 28º Enaex - Encontro Nacional de Comércio Exterior, dias 27 e 28, no Rio de Janeiro.

A participação de serviços nas vendas externas do Brasil ainda é tímida: pouco mais que 14% do total apesar de o setor representar 66% do PIB nacional e responder por 85% dos empregos formais. O ritmo de crescimento dessas exportações - que incluem desde serviços financeiros, de engenharia a oferta de design, produtos de audiovisual e assessoria empresarial - é bem mais intenso que nas de produtos: 25,7% contra 16,6%, segundo dados do Ministério de Indústria Desenvolvimento e Comércio (Mdic), na comparação entre 2007 e 2008.

Uma conjuntura econômica mais favorável para a exportação não bastaria para garantir avanços mais significativos para o setor de serviços. Um dos grandes entraves na área é a falta de informações sobre as operações e as necessidades dos agentes envolvidos. A prioridade no momento é estabelecer um sistema que uniformize os procedimentos para lançamento dessas operações, a fim de elaborar os dados e oferecer um mapeamento setorial.

Para cumprir esse papel, o governo promete, para o primeiro semestre de 2009, o início do funcionamento do Siscoserv. O sistema, com registros via web, inicialmente apresentará os dados de exportação, como prevê o Plano Estratégico de Estímulo às Exportações, e será implementado pelo governo federal, nos Estados e municípios, e em parceria com empresários do setor. Para um segundo momento está prevista a elaboração, de forma mais detalhada, dos dados referentes às importações de serviços.

O secretário de Comércio e Serviços do Mdic, Edson Lupatini Junior, lembra que a abertura de mercado no Brasil ainda é recente (18 anos) e que o potencial em serviços é grande: além de segmentos tradicionais no setor, como o de engenharia, financeiro e de tecnologia da informação, o país tem muito a oferecer em nichos como moda, design, audiovisual e consultoria empresarial.

Esse potencial fica evidenciado quando se observa a diferença entre as taxas de crescimento das exportações brasileiras de serviços e as mundiais. Em 2005, o percentual nacional foi de 28,3%, enquanto no mundo essas operações cresceram 10,4%; em 2006, o Brasil atingiu um aumento de 20,6%, em comparação a 10,1% de incremento nas vendas mundiais externas de serviços; e no ano passado o setor cresceu 25,7% no país, e 18% no mundo. "O Siscoserv permitirá uma melhor elaboração de políticas de incentivos para essa área", afirma o secretário da SCS, Lupatini Junior.

Para o presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, o novo sistema poderá trazer a transparência necessária para facilitar a desburocratização e desonerar as operações sob o aspecto fiscal. "Ainda há desinformação sobre o que é ou não exportação de serviços. Muitas operações são realizadas e não são computadas no setor", afirma. Uma maior transparência permitirá uma melhor tributação. "Hoje há diversas situações em que acaba ocorrendo uma bitributação por falta de conhecimento e caracterização das operações".

Segundo Nese, com esses dados e o trabalho conjunto entre diferentes setores do governo, do Midc à Secretaria da Receita Federal, a área de serviços poderá receber a atenção que precisa para ganhar o devido espaço na balança comercial brasileira. "É preciso ainda desenvolver outras frentes, como a ampliação de acordos bilaterais entre países, para facilitar o trânsito de profissionais que atuam para empresas prestadoras de serviço", diz.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central, avalia que o momento é de oportunidades para o setor de serviços brasileiro, principalmente nas áreas de engenharia de petróleo, de turismo, de serviços financeiros e saúde. "Com a desvalorização do real, os preços nacionais tornam os produtos mais competitivos, e o setor de serviços é a área onde todos querem aumentar as exportações: envolve valores maiores e um mercado em expansão. No entanto, exige maior capacitação profissional e tecnológica."

Gomes lembra que a conjuntura pode não ser tão favorável por conta dos aspectos recessivos. Em setores que o Brasil já tem tradição em exportação, como engenharia, há mais chances de ocorrer uma redução de demanda por parte dos países que contratam. "É importante intensificar o trabalho em cima de áreas que têm pouca oscilação de consumo e ampliar as políticas de incentivo." Hoje, segundo explica o economista, o que existe em termos de políticas de incentivo é muito segmentado e direcionado para áreas tradicionais.

Exemplo dessa situação são as linhas de financiamento. "O próprio BNDES concede crédito para empresas que prestam serviços no exterior, mas que são consolidadas", afirma Freitas Gomes. Aliás, o BNDES não tem nenhuma linha específica destinada às exportações de serviços. Os recursos são destinados a operações desse tipo não por conta de sua natureza mas em razão do tomador do crédito.

"O setor de serviços tem uma dinâmica, um sistema operacional próprio que exigiria um procedimento específico para a obtenção de financiamento", afirma Luigi Nese, da CNS. Hoje, 80% das empresas de serviços são de pequeno porte e a grande maioria não possui bens, mercadorias para serem dadas como garantias. "O setor de serviço é mão-de-obra e tecnologia, não há como oferecer garantias para financiamento da forma como os bancos estão acostumados."

Uma alternativa foi criar um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC): com base em contratos fechados de serviços, os investidores do fundo antecipam os valores que serão recebidos futuramente pelas empresas prestadoras de serviço. Mas, segundo o presidente da CNS, trata-se de uma experiência recente e de dimensões ainda pouco representativas.

De acordo com os especialistas, seriam necessários mais incentivos financeiros e fiscais para o setor, se a intenção é atingir um crescimento mais representativo e o melhor aproveitamento das oportunidades no comércio mundial. Aliás, só assim será possível mudar o resultado do comércio exterior de serviços, pois mesmo com o crescimento significativo nas exportações dos últimos anos, o setor é deficitário.

As importações brasileiras de serviços, concentradas nas áreas de transportes, viagens internacionais, aluguel de equipamentos e serviços empresariais, profissionais e técnicos, atingiram o total de R$ 34,8 bilhões, em 2007, o que representou um aumento de 28% em relação a 2006. Assim, no resultado final, o Brasil acumula déficits crescentes na área: de US$ 4,5 bilhões em 2004 para US$ 12,3 bilhões em 2007. "Como as importações de serviços dificilmente serão substituídas por uma produção local, para chegar a um resultado positivo na balança, só com aumento das exportações", diz Nese.