Título: Comunistas temem avanço da direita
Autor: Junqueira , Caio
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2008, Política, p. A10

O capitalismo está em crise e Karl Marx vende como nunca nas livrarias, mas os comunistas estão preocupados mesmo é com o avanço da direita durante a crise financeira mundial. No 10º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, que reuniu mais de sessenta dirigentes de partidos comunistas de todo o mundo neste fim de semana em São Paulo, os mais otimistas concluíram que este é o momento de reposicionamento no cenário político. E os mais realistas, que este reposicionamento pode vir a enfrentar o recrudescimento de autoritarismos. "Estamos preocupados porque pode ocorrer uma saída à direita, como após a crise de 1929 na Europa, com a construção de sociedades autoritária com aparência democrática.", diz o secretário-geral do Partido Comunista Italiano, Andrea Genovali. Os comunistas italianos detêm pouca ou inexpressiva força política. Em abril deste ano teve, somado a outro partido comunista do país, 6,7% dos votos.

Ao contrário dos italianos, mantidos à distância do governo Silvio Berlusconi, o PCdoB, anfitrião do encontro internacional, participa da coalizão governista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, onde coabita com partidos de centro e de direita, como o PP e o PR. Para o presidente do partido, Renato Rabelo, isso é uma consequência da realidade política brasileira. "Desde que haja princípios básicos, os caminhos do socialismo variam de lugar para lugar. A realidade política aqui é heterogênea. Os partidos não têm fisionomia homogênea em âmbito nacional. Para realizar mudanças aqui é preciso realizar mudanças. É difícil ganhar eleições sozinho".

Em Nova York, epicentro da crise, o norte-americano Libero Della Piana conduz o Partido Comunista dos Estados Unidos e diz que aumentou o interesse da mídia no país pela legenda, que passou a ser questionada sobre soluções para a crise. Ele arrisca duas: "Diminuir os monopólios e aumentar os impostos dos ricos". Embora ausentes do Congresso americano, Piana diz ter se esforçado para pressionar o governo a não realizar cortes nas áreas sociais e educar e qualificar a população sobre as causas e efeitos da crise. Também afirma ter tentado conter o que classifica de uso equivocado do termo que dá o nome ao seu partido. "O comunismo está se tornando uma palavra ordinária nos Estados Unidos por causa dos ideólogos da extrema-direita que dizem que o dinheiro de ajuda às instituições está fazendo socialismo para os bancos. Estamos tentando mostrar que isso não é socialismo. Na verdade eles estão é ajudando os donos dos bancos."

Mas ele acredita mesmo que os Estados Unidos podem um dia ser comunista? "Se não acreditasse, não estaria nesse negócio. As experiências socialistas no século 20, tanto as boas quantos as ruins, são minhas fontes de inspiração. Nosso programa se chama "O caminho para o socialismo nos EUA". Nossa estratégia é diminuir o poder dos monopólios e derrotar a ultra direita, que nos últimos 30 anos dominou a política nacional. São os últimos estágio para nos prepararmos para o socialismo".

O secretário-geral do Partido Comunista do Reino Unido, Robert Griffiths, também acredita no fortalecimento de suas bandeiras a partir da conscientização dos efeitos maléficos do capitalismo para a sociedade. "Nosso governo deu mais de 5 bilhões de libras para os bancos enquanto há anos se trava debate sobre a reforma do sistema nacional de saúde, que tem déficit de 1 bilhão de libras. Estamos falando isso para a população, esse contraste de tratamento entre ricos e pobres." Griffiths diz não ter como garantir que os comunistas avançarão na crise, mas que é uma oportunidade para crescer. "As pessoas estão vendo que o capitalismo não dá o que elas precisam."

Mais realista, o secretário-geral do partido italiano investe em uma agenda reformista. "No último encontro, há dez anos, estávamos preocupados em dizer que estávamos vivos. Agora, além disso, queremos discutir e trabalhar o tema da crise. Integrar as contestações ao capitalismo, dialogar com os movimentos de protesto e tratar de construir um ideal maior de lutas e reformas", diz Andrea Genovali.

No Brasil, o PCdoB tem um desempenho eleitoral que torna obrigatório o realismo político. Nas eleições deste ano, teve 1,7% dos votos válidos, quase o dobro dos 0,9% de 2004. Conquistou 39 prefeituras, contra dez de quatro anos atrás. Esse avanço, ainda que acanhado, se deveu ao pragmatismo das alianças partidárias. Mas Renato Rabelo não abandona o jargão comunista para elocubrar sobre o futuro do partido: "Nossa sociedade teria que atravessar um grande desenvolvimento das forças produtivas para chegar ao socialismo, embora já tenhamos produção suficiente para trabalhar quatro horas por dia, três vezes por semana, com restante do tempo para cultura e lazer."