Título: Para Arruda, decisão é absurda
Autor: Sallum, Samanta
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2010, Cidades, p. 22

Em carta à Câmara, governador afastado reafirma que é vítima de armadilhas. Hoje, deputados discutem um pacto pela governabilidade

O governador José Roberto Arruda considerou ¿imprópria¿ e ¿absurda¿ a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao saber da decretação da sua prisão preventiva, ele escreveu à mão uma carta de seis páginas (ver íntegra ao lado), comunicando seu afastamento do cargo. O documento foi encaminhado à Câmara Legislativa e lido enquanto ele chegava à Polícia Federal, no fim da tarde ontem. Arruda disse ser vítima de ¿armadilhas, armações, flagrantes pré-fabricados, denúncias politicamente bem elaboradas¿ com objetivo de destruí-lo política e pessoalmente.

O governador pediu licença do cargo para ¿não transferir a Brasília e a sua população a agressão¿ que fazem contra ele e ao cargo que exercia ¿legitimamente¿. Ele se defendeu denunciando a orquestração de uma trama para confundir a opinião pública e as autoridades, numa reação de inimigos por ter desarmado ¿a quadrilha que se locupletava de dinheiro público há muitos anos impunemente¿. Arruda chama seus delatores de ¿bandidos travestidos de mocinhos¿. Ele garante que vai esperar com ¿serenidade, equilíbrio e firme determinação¿ que a verdade prevaleça e que seus opositores sejam desmascarados. No fim da carta, agradeceu o apoio de amigos, afirmando que deseja a conclusão do inquérito. ¿Que pelo menos meu sofrimento pessoal sirva para livrar Brasília dos atos perniciosos que a acompanham há tanto tempo.¿

A prisão de Arruda desconcertou um dos advogados mais experientes de Brasília. O criminalista José Gerardo Grossi deixou o prédio do STJ muito nervoso. ¿Num momento como esse, não há o que dizer. A Corte é soberana¿, lamentou Grossi. Nélio Machado, que também integra o núcleo de defesa do governador, disse que confiava no ¿bom senso¿ do Supremo Tribunal Federal que julgará o pedido de habeas corpus de Arruda. A defesa do governador afirma que a medida do STJ foi ¿açodada¿, já que as investigações ainda não foram concluídas

Distritais Poucos deputados distritais tiveram coragem de comparecer à Câmara Legislativa ontem. Dos 24, apenas 11 foram ao Legislativo. Assim que foi confirmada a informação da prisão de Arruda, os parlamentares se reuniram na presidência para avaliar os acontecimentos. No meio da tarde, veio a informação de que Arruda havia encaminhado o comunicado de afastamento e a sua substituição por Paulo Octavio (DEM).

Por volta das 18h, enquanto Arruda chegava à Polícia Federal para cumprir a ordem de prisão, o secretário de governo Flávio Giussani entregava a mensagem ao presidente da Câmara, deputado Wilson Lima (PR). Foi aberta a sessão especialmente para ler a carta de Arruda, tarefa que coube ao deputado Raimundo Ribeiro (PSDB).

Wilson Lima convocou para a manhã de hoje uma reunião com todos os 24 deputados distritais. Paulo Octávio, como atual governador do DF, participará do encontro. Será feito um apelo à união de todos parlamentares por um ¿pacto de governabilidade¿. A ameaça de intervenção federal, que engessaria a atuação do Legislativo local, deixa atônitos os distritais. Seria a antecipação do fim dos mandatos neste ano eleitoral. Por isso, há disposição em dar sustentabilidade ao governo de Paulo Octávio (DEM). No entanto, entre a oposição o clima é de cobrança. Aceitará o pacto com a condição de que os parlamentares da Casa envolvidos nas denúncias da Caixa de Pandora se afastem dos mandatos, para resgatar o mínimo de isenção para a Câmara Legislativa.

Distritais tremem

Num momento como esse, não há o que dizer. A Corte é soberana José Gerardo Grossi, advogado de defesa de Arruda

¿Estou convocando uma reunião para tratarmos das condições que garantam a governabilidade¿, disse o presidente da Câmara, Wilson Lima (PR), após encerrar a sessão. O deputado Batista das Cooperativas (PRP) apreensivo, já que está exercendo a liderança do governo na Câmara, com a saída de Geraldo Naves, criticou qualquer possibilidade de interevenção federal. ¿Seria absurda essa situação. Muito ruim para a democracia¿, disse.

A Câmara tremeu com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao concluir que não havia necessidade alguma de autorização dos deputados distritais para Arruda ser preso. O Supremo Tribunal Federal está também para se manifestar sobre o questionamento de legalidade do dispositivo da Lei Orgânica do DF, no qual apenas a Câmara tem poder de autorizar abertura de processo contra o governador.

¿Esperávamos a renúncia e não apenas afastamento¿, comentou Paulo Tadeu (PT). Para a oposição, Paulo Octávio pode ser alvo de novos pedidos de impeachment.

Com a ordem do DEM de que seus integrantes saiam do GDF, Paulo Octávio teria, em tese, que renunciar, o que já demonstrou não ter intenção. Se Paulo Octávio renunciar ao governo, assume o presidente da Câmara, Wilson Lima (PR). Este, se quiser concorrer nas próximas eleições, só poderia permanecer no cargo até o fim de março, prazo-limite para desincompatibilização. Se não ocorrer intervenção federal, o cargo de governador seria preenchido pelo presidente do Tribunal de Justiça do DF, desembargador Nívio Gonçalves, que, por sua vez, estará transferindo o cargo de chefe do Judiciário local em 22 de abril para o desembargador Octavio Augusto, eleito na terça-feira para o cargo.

Uma determinação inédita no país

HELENA MADER

José Roberto Arruda é o primeiro governador preso durante o exercício do cargo por acusação de corrupção. Chefes do Executivo de outros estados foram detidos no passado por crimes como tentativa de homicídio ou por questões políticas, durante a ditadura militar. Também já houve outros pedidos de prisão contra políticos brasileiros por denúncias de corrupção, mas que foram negados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Só no ano passado, três governadores tiveram o mandato cassado por crimes eleitorais. Entretanto, nenhum deles chegou a ser detido pelas acusações.

O primeiro governador preso foi Miguel Arraes ¿ eleito em 1962 para comandar o estado de Pernambuco. Seu governo era considerado de esquerda e, logo após o golpe militar de 1964, Arraes foi pressionado a renunciar. Como ele se recusou a deixar o cargo, foi preso e levado à Ilha de Fernando de Noronha, onde ficou por quase um ano.

Outro governador preso durante o exercício do cargo foi Ronaldo Cunha Lima, que em 1993 assumiu ter atirado em um desafeto político. De acordo com as denúncias, o então governador da Paraíba entrou em um restaurante da capital João Pessoa, onde almoçava o antecessor no cargo, Tarcísio de Miranda Burity. Cunha Lima atirou três vezes contra o desafeto. Ele alegou ter cometido o crime em defesa da honra da família e do filho, Cássio Cunha Lima, que estariam sendo difamados. Burity ficou em coma, mas sobreviveu à tentativa de homicídio.

Com relação à corrupção, a Procuradoria-Geral da República já havia pedido a prisão de outros governadores. Mas sem sucesso. Acusado em 2007 de envolvimento com a Operação Navalha, deflagrada pela PF, o então governador do Maranhão, Jackson Lago, teve a prisão preventiva solicitada em maio daquele ano. Mas a ministra Eliana Calmon entendeu que não havia elementos suficientes para decretar a prisão.

No mês passado, o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, quase foi preso por desrespeitar uma decisão judicial. A Justiça estadual determinou que o governo aumentasse os salários de policiais militares. Se o governador não cumprisse a decisão, poderia ser preso por desobediência. Mas Puccinelli recorreu ao STJ, que concedeu liminar para impedir que o governador fosse detido.

Na berlinda

Outros governadores acusados de corrupção ou crime eleitoral

Cássio Cunha Lima, Paraíba Em novembro de 2008, o então governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral ¿ que confirmou decisão do tribunal regional, proferida um ano antes. O vice, José Lacerda Neto, também perdeu seu posto. O presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, determinou que o cargo fosse assumido pelo senador José Maranhão (PMDB), segundo colocado na eleição de 2006. O processo contra Cássio Cunha Lima começou sob a alegação de que ele teria distribuído 35 mil cheques a cidadãos carentes durante a campanha de 2006. A doação foi feita por meio de programa assistencial da Fundação Ação Comunitária, vinculada ao governo estadual. Os repasses teriam sido de R$ 4 milhões.

Jackson Lago, Maranhão Em abril de 2009, o TSE confirmou a cassação do então governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de seu vice, Luís Carlos Porto. Eles foram acusados de abuso de poder político durante a campanha de 2006, quando eles eram aliados do governador à época, José Reinaldo. Entre outras acusações, a oposição alegou que foram feitos 1.817 convênios no ano da eleição entre o governo estadual e municípios, além de acordos econômicos com associações civis. Depois de confirmar a cassação, o TSE determinou que o governo do estado fosse imediatamente assumido pela senadora Roseana Sarney (PMDB), segunda colocada na eleição de 2006. Jackson Lago e Luís Carlos Porto recorreram para tentar reverter a cassação, mas Roseana assumiu o poder logo depois da decisão.

Marcelo Miranda, Tocantins O terceiro governador a perder o mandato por compra de votos depois das eleições de 2006 foi o ex-chefe do Executivo de Tocantins Marcelo Miranda (PMDB). Nesse caso, o TSE decidiu pela cassação em 25 de junho do ano passado. O vice, Paulo Sidnei Antunes (PPS), também foi afastado pela decisão. A dupla é acusada de abuso de poder, compra de votos e uso indevido dos meios de comunicação social nas últimas eleições estaduais. Miranda foi reeleito e, de acordo com o entendimento dos ministros do TSE, as irregularidades na campanha estariam ligadas à criação de cargos e a nomeações de pessoas para funções públicas com o objetivo de favorecer a campanha.

José de Anchieta Júnior, Roraima O atual governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), foi acusado pelo Ministério Público Eleitoral de abuso de poder político, econômico e compra de votos, além de fraude eleitoral nas eleições de 2006. Em dezembro do ano passado, ele foi absolvido por unanimidade pelo TSE. Para o ministro-relator, Fernando Gonçalves, não havia provas suficientes para comprovar o abuso de poder econômico e político. O pedido de cassação havia sido apresentado contra o governador Ottomar Pinto, que morreu em 2007. O processo se manteve contra Anchieta, seu vice. O Tribunal Regional Eleitoral de Roraima absolveu Anchieta e houve recurso ao TSE. Entre as supostas irregularidades estariam a distribuição de brindes, recursos públicos e títulos de propriedade de terras durante a campanha.

Marcelo Déda, Sergipe Corre ainda no TSE processo de cassação contra o governador de Sergipe, Marcelo Déda. Ele e seu vice, Belivaldo Chagas da Silva, são acusados de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2006. Quem entrou com o pedido de cassação de mandato foi o Partido dos Aposentados da Nação (PAN) ¿ incorporado pelo PTB há dois anos. De acordo com o pedido, Marcelo Déda teria usado recursos públicos para a sua campanha ao governo, já que ele era prefeito de Aracaju à época.