Título: Ano decisivo para a sustentabilidade ::
Autor: Veiga , José Eli da
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2008, Opinião, p. A11

Pela primeira vez em 23 anos a já tradicional coleção de previsões da revista The Economist inclui seção especial sobre o meio ambiente. Segundo o editor Daniel Franklin, a novidade foi motivada pela importância que terão o clima, as energias renováveis e a água na agenda internacional de 2009. Mas se declara bem pessimista em um dos oito editoriais, intitulado "O ano da insustentabilidade", no qual duvida que os governos (além das empresas) mostrem em 2009 que realmente têm compromissos socioambientais.

A razão do ceticismo fica mais clara no primeiro artigo da seção especial, com previsão do que ocorrerá em Copenhague em dezembro de 2009, quando a conferência da ONU sobre a Convenção do Clima (UNFCC) deverá adotar algum sucedâneo do Protocolo de Kyoto. É taxativo o prognóstico da especialista Emma Duncan: não conte com acordo sobre a mudança climática ("Don´t count on a climate-change deal"). E seus argumentos baseiam-se em resistências ainda observáveis nos três principais pólos: Washington, Bruxelas e Pequim.

No entanto, nem fez parte dessa avaliação algo que poderá subverter cenário tão sombrio sobre a dinâmica diplomática que precederá Copenhague: o possível papel do G-20. Veio para ficar esse fórum constituído por 19 países mais a UE, com participação permanente do FMI e do Bird. Com todos os defeitos que possa ter, por algumas décadas estará nele a melhor instância de governança mundial. Hoje, bem mais de 80% do dióxido de carbono emitido sai das 19 nações que o compõem. Essa parcela já havia ultrapassado 77% em 2004, conforme dados consolidados pelo Relatório do Desenvolvimento Humano 2007/2008. E chegava a 82% com os 23 países representados no G-20 pela UE.

Por isso, não deveria ser muito difícil conseguir que fossem convalidadas em Copenhague as linhas de um acerto previamente costurado no G-20. As resistências viriam menos nos três pólos mencionados por Emma Duncan, do que dos grandes emissores que estão fora do G-20. Não de Madri ou Amsterdã, pois Espanha e Holanda certamente acompanhariam a diretiva da UE. Mas sim de uma dúzia de países da semi-periferia com volumes de emissões que superam o da Holanda, e que também não estão no G-20. Pior: emissões que tendem a crescer muito mais do que as desse "patinho feio" europeu em que se transformou a Espanha, com aumento de 56% entre 1990 e 2004.

O primeiro da lista é o Irã, com emissões que aumentaram 99% no mesmo período. Quase tanto quanto na Índia ou na Coréia do Sul, países do G-20 nos quais esses pulos chegaram a 103% e 107%. Em cinco outros grandes emissores da semi-periferia houve saltos ainda mais dramáticos: 208% na Malásia, 175% nos Emirados Árabes Unidos, 165% na Argélia, 152% na Tailândia, e 111% no Egito. Os outros seis são: Nigéria, Congo, Filipinas, Venezuela, Tanzânia e Myanmar.

Então, para que uma proposta do G-20 possa ser bem recebida em Copenhague, também será necessário um esforço de envolvimento dessa dúzia de outros semi-periféricos similares aos seus nove equivalentes que dele fazem parte: China, Indonésia, Brasil, Índia, México, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina e Turquia. Para todos eles, o que precisa ser oferecido é uma real cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), pois o maior problema está na intensidade de carbono de suas economias.

Enquanto a França emite uma tonelada de carbono para cada US$ 6 mil de produto, a Indonésia, no outro extremo do G-20, o faz por reles US$ 108. Claro, como no Brasil, o medonho desempenho indonésio resulta mais de desmatamentos e queimadas do que do uso de energias fósseis. Mesmo assim, na Rússia o indicador nem chega a US$ 500, e na Argentina está abaixo de US$ 700.

Contrastes que servem para enfatizar que o passo decisivo estará no abandono da noção de transferência de tecnologia em favor de uma verdadeira cooperação científico-tecnológica. Tese que está muito bem defendida em recente relatório da agência federal alemã para o meio ambiente intitulado "Propostas de Contribuições das Economias Emergentes para o Regime Climático pós-2012 da UNFCC". Depois de minuciosa análise das seis principais - África do Sul, Brasil, China, Coréia do Sul, Índia e México - conclui ser absolutamente necessária uma "Aliança Tecnológica", que substitua definitivamente "TT" por "TDD". Isto é, faça com que a disposição de "transferir tecnologia" seja superada por um "technological development and deployment", entendido como um benéfico esforço mútuo de troca e cooperação. Idéia que fortalece a proposta a ser apresentada pela China daqui alguns dias em Poznan, mesmo que pró-forma.

Na mesma linha, será preciso rever na conferência de Copenhague o segundo anexo do Protocolo de Kyoto, que lista os 23 países mais responsáveis pela ajuda aos menos favorecidos. Devem ser retirados cinco países que sequer se classificariam para um torneio de inovação tecnológica: Grécia, Itália, Luxemburgo, Nova Zelândia e Portugal. E devem ser incluídos dois campeões: Israel e Cingapura. É este outro "G-20" - o da capacidade tecnológica - que poderá fazer a diferença para que surjam as soluções capazes de promover o processo de descarbonização das matrizes energéticas, sem o qual não se conseguirá deter a concentração de gases estufa na atmosfera na faixa dos 400-450 ppm (partes por milhão), ou evitar que o aumento da temperatura ultrapasse 2 graus centígrados.

Em suma: se toda a responsabilidade for delegada à barafunda dos quase 200 países signatários da UNFCC, é quase certeza que a conferência de Copenhague será o velório previsto pela ´The Economist´. Mas poderá virar festa se previamente for firmado um contrato no G-20 que ofereça "Aliança Tecnológica" para a outra dúzia de grandes emissores da semi-periferia. Afinal, 91% das emissões de 2004 partiram do eixo "G-20-dúzia": 77% do próprio, 9% da dúzia e 5% dos 23 indiretamente no G-20 via UE. E em 2012 será responsável por quase todas.

José Eli da Veiga é professor titular do departamento de economia da FEA-USP, pesquisador associado do "Capability & Sustainability Centre" da Universidade de Cambridge, e co-autor do livro para jovens "Desenvolvimento sustentável: que bicho é esse?" (Autores Associados, 2008).