Título: Provocação, festa e protestos
Autor: Vaz, Viviane; Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2010, Mundo, p. 14

Durante a comemoração do aniversário de 31 anos da Revolução Islâmica, regime cala opositores e o presidente Mahmud Ahmadinejad afirma que o país pode enriquecer urânio a 80%. Declaração arranca críticas até do Brasil

¿Temos agora a capacidade de enriquecer urânio a mais de 20% e, inclusive, a mais de 80%, mas não o faremos, pois não precisamos¿, declarou ontem o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, em meio à celebração do 31º aniversário da Revolução Islâmica na capital do país. Se a frase tinha o objetivo de alfinetar a comunidade internacional, Ahmadinejad conseguiu. Até no Brasil, país que tem apoiado insistentemente o diálogo com o Irã, a reação do chanceler Celso Amorim foi de lamentar qualquer afirmação, ¿mesmo que hipotética¿, sobre enriquecimento a 80% ¿ ele afirmou não estar a par da declaração. ¿Se (o Irã) enriquecer a 80%, estará, obviamente, em violação ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Acho que até falar nisso não é produtivo para quem está procurando a negociação¿, disse o ministro.

Ahmadinejad reforçou que o Irã é ¿suficientemente valente¿ para avisar ao mundo com antecedência, caso busque uma bomba atômica, que precisa de urânio enriquecido a 90%. Por outro lado, anunciou que o país ¿triplicará rapidamente¿ a produção de urânio enriquecido a 3,5%. Segundo o mandatário iraniano, os cientistas já finalizaram a primeira carga de urânio enriquecido a 20% na central de Natanz, 48 horas depois de ter iniciado a produção. Sobre as sanções contra o programa nuclear iraniano, Ahmadinejad aproveitou a ocasião para afirmar que o presidente americano, Barack Obama(1), desperdiça oportunidades e ¿serve à vontade de Israel¿ ao punir o Irã.

Em Brasília, Amorim continuou defendendo o diálogo com o Irã e amenizou a decisão do país de começar a produzir urânio a 20%. ¿É preciso dizer que o urânio a 20%, de acordo com o TNP, é permitido. O Brasil, inclusive, já produziu urânio a 20%. Em pouca quantidade, mas produziu. Isso é uma coisa totalmente esperada e normal¿, afirmou. Ele, no entanto, disse que seria ¿útil¿ se as propostas apresentadas para enriquecimento no exterior já tivessem sido negociadas e não fosse necessário que Teerã realizasse o processo. ¿A nossa preocupação é idêntica ao dos outros países ocidentais, para que não haja proliferação nuclear¿, garantiu.

Questionado se iria defender o diálogo com o Irã na reunião ministerial com a União Europeia, neste fim de semana, Amorim disse não se considerar ¿palatino nem Dom Quixote de nenhuma posição¿. ¿Eu vou lá conversar, dar a posição do Brasil, como nós estamos vendo.¿

Prisões

Em Teerã, milhares de iranianos se reuniram na grande praça Azadi (liberdade, em persa) para assistir as comemorações, a maioria carregando bandeiras do país. Alguns carregavam cartazes com frases com dizeres como ¿Morte a Israel¿ e ¿Morte aos Estados Unidos¿. Os jornalistas estrangeiros tiveram que se limitar à praça e só tiveram permissão para ouvir o discurso do chefe de Estado em uma tribuna especial para a imprensa.

Por outro lado, a oposição iraniana, que rejeitou o resultado das eleições presidenciais de junho do ano passado, convocou simpatizantes para protestar, apesar das ameaças de represália do governo. O site Rahesabz, do oposicionista Movimento Verde, anunciou que seus líderes, Mohammad Reza Khatami (irmão do ex-presidente Mohammad Khatami) e sua esposa, Zahra Eshraghi (neta do aiatolá Khomeini, que deu início à Revolução Islâmica), foram detidos pelas autoridades iranianas e depois liberados. O site argumenta que ¿as detenções de curto prazo foram um movimento de precaução para evitar que os dois líderes reformistas participassem das manifestações¿.

Enquanto se dirigia para os protestos concentrados na praça de Sadeghiyeh, o ex-presidente reformista do Parlamento, Mehdi Karubi, também foi atacado por manifestantes pró-governo e policiais em seu veículo, mas escapou ileso. Os seguranças, porém, ficaram gravemente feridos, segundo relatou Hossein, filho de Karubi, ao Rahesabz. De acordo com o mesmo site, forças militares teriam jogado bombas de gás lacrimogêneo contra simpatizantes do movimento verde que carregavam slogans como ¿Allah Akbar (Deus é grande)¿ e ¿Morte ao ditador¿.

1 - ¿Mais política que física¿ O governo dos Estados Unidos disse duvidar que o Irã tenha capacidade para enriquecer urânio a 80%, como foi anunciado pelo presidente Mahmud Ahmadinejad ontem. Segundo o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, as declarações sobre a questão nuclear se baseiam ¿mais em política do que em física¿. ¿Eles dizem muitas coisas, e muitas delas se mostram inverdades depois¿, afirmou. Ele ainda criticou as sucessivas tentativas de Teerã de bloquear o acesso da população à informação, destacando que isso parece mostrar que o governo ¿não confia em seu próprio povo¿ ¿ se referindo ao bloqueio de sites e jornais.

entrevista - Kianoosh Sanjari Fraude, tortura e repressão

Viviane Vaz Arquivo Pessoal

Mesmo no exílio, alguns ativistas iranianos continuam a se manifestar contra a Revolução Islâmica e o governo de Ahmadinejad. Kianoosh Sanjari foi preso pela primeira vez em 2006, por ¿atentar contra a segurança nacional e fazer propaganda contra o Estado¿. Ele tinha apenas 17 anos e se manifestou contra a prisão de membros da União de Estudantes. Ficou preso por dois anos e enfrentou a ¿tortura branca¿, quando se é confinado à total solidão. Passou pela prisão por mais nove vezes. Antes de ser condenado pelo tribunal, fugiu para o Iraque e de lá a Anistia Internacional o levou para os Estados Unidos, onde hoje trabalha como jornalista freelancer, em Washington. Ele contou ao Correio, por e-mail, o que pensa sobre a revolução que mudou o rumo do país.

Você considera que o povo iraniano ainda se sente conectado com a Revolução Islâmica? Não. Trinta e um anos depois da revolução, o povo do Irã tomou as ruas em protesto contra uma eleição falsa e as pessoas estão sendo atingidas por tiros, pancadas e prisões. Como elas podem estar conectadas à revolução? A revolução ocorreu em 1979, em nome da liberdade, da igualdade e da democracia ¿ o regime do xá foi derrubado por essas razões. Hoje, as pessoas só têm a oportunidade de escolher um líder a partir de um grupo de candidatos pré-selecionados. Esse processo não democrático é ainda preenchido com fraude, forçado por aqueles que não querem dividir o poder. Todo ano, no aniversário do regime islâmico, o governo gasta dinheiro para conseguir defensores em um esforço de provar que o povo ainda apoia a revolução. Se o governo permitisse que o povo do Irã e o movimento verde protestassem livremente, veríamos milhões de pessoas se levantando contra o regime islâmico.

O fato de países ocidentais se manifestarem contra o programa nuclear iraniano poderia unir o país a favor do governo de Ahmadinejad? O povo do Irã deseja tecnologia para progredir em áreas como ciências e medicina. Entretanto, não pensam que Ahmadinejad é o líder apropriado para manejar essa tecnologia. Como poderia Ahmadinjead ¿ que possui e usa o dinheiro do petróleo do Irã para comprar armas, usá-las contra o povo iraniano, para torturar e ferir adversários na prisão, enquanto há pessoas morrendo ¿ representar e manejar o desejo do povo por tecnologia?

Depois de 31 anos de revolução, o Irã mudou para melhor ou para pior? Os revolucionários de 1979 derrubaram o xá visando uma vida melhor, plena com direitos humanos e benefícios econômicos. Depois de 31 anos, enfrentamos falta de liberdade, seja em termos de expressão, política, direitos humanos, eleições ou igualdade de gênero. Apesar de o Irã ter uma renda enorme proveniente do petróleo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional o país agora tem uma das taxas de inflação mais altas e cerca de 50% dos iranianos vivem abaixo da linha da pobreza. Durante o regime do xá, o Irã era altamente respeitado pela comunidade internacional. Infelizmente, devido às políticas do regime islâmico, o mundo começou a ver os iranianos como terroristas. Mas graças ao movimento verde e à tecnologia, o mundo pode ver agora as diferenças entre o governo e o povo do Irã.