Título: Fundos investem na baixa
Autor: Vieira , Catherine
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2008, EU& Investimentos, p. D1

A crise pode ter apavorado muitos investidores, que bateram em revoada. Mas, para alguns gestores, os altos preços da euforia que reinava até o início deste ano assustavam muito mais. Para esses fundos, que investem em ações e participações e gostam de ter grandes nacos de determinados ativos com objetivos de longo prazo, há muito tempo o mercado não abria tantas oportunidades de montar posições. São gestores locais - como Orbe, HSBC, Tarpon, Gávea, Fama e Pólo, entre outros -, mas também estrangeiros, como Skagen e Aberdeen, que têm ido às compras de pedaços mais relevantes das companhias para as quais projetam futuro mais promissor. Também os fundos de pensão aproveitaram a temporada de promoções: a Petros, fundo dos petroleiros, por exemplo, elevou para 5,5% a fatia na Lupatech.

Toda vez que um investidor ultrapassa a cota de 5% de uma classe de papéis de uma companhia, é preciso tornar essa informação pública. O mesmo vale para posições significativas que se reduzem. Desde o dia 20 de setembro, os comunicados de venda ou redução de participação foram cerca de 30 no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), enquanto os comunicados de aquisições ou aumento de participações relevantes foram mais de 65 nesse período. Alguns desses investidores aparentemente também aproveitaram para fazer trocas de ativos nas carteiras, vendendo algumas posições e comprando outras.

Na última sexta, em comunicado ao mercado, a Lojas Renner informou que o fundo Aberdeen, com sede no Reino Unido, aumentou de 9,9% para 15% a participação no capital social da companhia, que é de controle disperso. No informe, o fundo detalhou como as compras foram feitas. Essas ocorreram exatamente no período de 17 de setembro a 19 de novembro, ou seja, quando a crise se agravou muito e os preços começaram a cair aceleradamente na bolsa.

Eduardo Favrin , diretor de renda variável da HSBC Global Asset Management, afirma que a ocorrência de aumentos de participação de fundos para além dos 5% é mais frequente em companhias menos líquidas. Por conta da crise, o valor de mercado de diversas companhias caiu muito, em vários casos mais de 50%, diz. Assim, ficou muito mais fácil para um fundo atingir uma participação maior em uma empresa, uma vez que precisará de metade dos recursos que teria necessidade de alocar se fosse fazer compras ano passado, por exemplo.

"O volume de dinheiro necessário para que um investidor tenha fatia acima de 5% das ações de uma companhia ficou muito menor. Por esta razão cresceu o número de comunicados enviados à bolsa", diz. Favrin destaca ainda que alguns gestores são especialistas em empresas que possuem menor valor de mercado e com baixa liquidez e agora aproveitam oportunidades.

"A atratividade das operações é o preço das ações atualmente, na visão dos fundos de longo prazo. Este é sem dúvida um nicho de mercado, e o momento é favorável para esse tipo de gestor", afirma. Favrin acredita ainda que, quando a crise passar e o mercado tiver mais visibilidade das perspectivas macroeconômicas e também das empresas, muitos desses papéis bastante depreciados podem apresentar valorizações acentuadas, o que justifica o movimento atual. "Sempre vai haver esse perfil de investidor, que aceita assumir um prazo maior para ter o retorno e monetizar o ganho", afirma.

O sócio da gestora de recursos Pólo Capital Marcos Duarte diz que há pelo menos uma década não via as oportunidades que estão aparecendo nos últimos meses. "Há empresas que estão sendo negociadas por um valor de mercado abaixo do patrimonial. Em outras, o preço é praticamente equivalente ao caixa", diz. Os fundos da Pólo já informaram ter feito aquisições que resultaram em parcelas relevantes de companhias como Abyara (6,42%), Inpar (5,21%) e Telemig Celular (6,15%). "Essas são as que excederam os 5% e precisam ser comunicadas, mas temos comprado também outros ativos", diz Duarte. "Em algumas construtoras, comprar a ação está equivalendo a comprar um apartamento com 20% de desconto", compara ele.

Fabio Carvalho, sócio da Orbe Investimentos, afirma que a questão é preço, uma vez que várias ações caíram 80%, 90% neste ano. Para alguém chegar aos 5% ficou muito mais fácil. "Há muitas oportunidades de compra. Apesar da crise, da diminuição de negócios, o mercado não está sem investidor", diz Carvalho. Ele lembra ainda que muitas companhias anunciaram programas de recompra de ações, o que pode influenciar também na distribuição do capital.

"Se ela retira e cancela as ações, pode interferir na base e fazer com que automaticamente determinado fundo supere a fatia de 5% dos papéis e tenha de soltar o comunicado", diz Carvalho. A Orbe tem perfil de investir em companhias menos líquidas à espera de retornos no longo prazo. "Para nós, o momento atual do mercado é muito raro em termos de oportunidades de negócio. Essa fase, de preços muito baixos, é o melhor momento para nos posicionarmos. Algumas empresas que já olhávamos, mas achávamos caras já se transformam em investimentos possíveis. "

A sensação entre os investidores é a de que a fase atual de preços depreciados, em que muitas companhias estão avaliadas abaixo do valor do patrimônio, é injustificada e já está atraindo olhares.

Mês passado um grande banco internacional fez evento reunindo investidores e houve um consenso de que tudo está muito barato. A grande dúvida, diante da gangorra da crise, é saber se não vai ficar ainda mais barato. Por isso, muitos gestores alertam que a hora é estudar opções de investimento, gastar mais tempo avaliando companhias que, mesmo que caiam ainda mais no curto prazo, podem oferecer elevados ganhos no futuro.

Outro que foi às compras é o fundo norueguês Skagen, que levou nacos do Banrisul. Relatório disponível no site da gestora comenta que as ações do banco foram compradas pela metade do preço pelo qual eram negociadas há um ano e ressalta que isso significa comprar abaixo do valor patrimonial. "Além disso, o retorno projetado com dividendos é de 12%", diz o texto. No mesmo relatório, os gestores do Skagen revelam que também investe em outras ações locais, como Vale, Eletrobrás e Nossa Caixa.

Poucos gestores, pelo que se pode notar pelos informes reportados ao mercado, foram tão agressivos nas compras de participações relevantes quanto a Tarpon. Na verdade, a gestora, que abriu capital em 2007, já vinha comprando pedaços maiores de companhias antes da crise e continuou nesse movimento. Na época da captação de recursos, a gestora já tinha mencionado que a maior parte dos R$ 260 milhões obtidos seria usado para aproveitar oportunidades no mercado de ações. Entre as compras dos últimos meses estão ações de Cremer, Marisa e Daycoval.

Os fundos de pensão também vêm aproveitando as ofertas. O presidente da Petros, Wagner Pinheiro, explica que a crise gera oportunidades de forma geral no mercado e lembra que as fundações têm condições de aproveitá-las ainda melhor. "Fundos comuns muitas vezes sofrem resgates e precisam vender papéis mesmo que os gestores não queiram. Nos fundos de pensão isso não acontece, o que nos dá um conforto para aproveitar esses momentos", afirmou Pinheiro.