Título: Indústria leva Brasil e Argentina a impasse na OMC
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2008, Brasil, p. A3

O Mercosul entra em nova fase de turbulência com o racha entre a Argentina e o Brasil sobre o tamanho da liberalização industrial a ser aceita na negociação de ministros no mês que vem na Rodada Doha, em Genebra. A Argentina levou ontem à Organização Mundial do Comércio (OMC) sua proposta isolada, pela qual só aceita cortar as tarifas industriais em 42%, rejeitando a proposta de corte de 52% aceita pelo Brasil num acordo esboçado em julho e que está de novo na mesa de negociação.

Além disso, Buenos Aires agora quer flexibilidade para proteger 24% de de suas alíquotas. O Brasil havia conseguido arrancar dos parceiros desenvolvidos em duras discussões na OMC o nível de 14%. O documento apresentado pela Argentina traz nas entrelinhas a mensagem de que a proposta aceita pelo Brasil poderia ameaçar o futuro crescimento e estabilidade social argentina.

Toda a discussão ontem foi antecedida de mensagens em "off the records" de autoridades argentinas advertindo o Brasil de que, se mantivesse sua posição a favor da liberalização industrial, jogaria o Mercosul em nova crise. Enquanto o subsecretário de Comércio Internacional, Nestor Stancanelli, apresentava o documento na OMC, uma delegação de Buenos Aires dizia em Brasília que "se um sócio tem problemas, os outros têm de acompanha-lo".

Ocorre que Brasília considera "impossível" a proposta ser aceita pelos parceiros na OMC. A Malásia reagiu ontem em tom especialmente duro. Stancanelli disse ter visto, porém, "compreensão" de parceiros. Os brasileiros estão ainda mais irritados, porque julgam ter negociado em "boa fé" em junho, quando conseguiram elevar a flexibilidade para o Mercosul proteger suas indústrias, inclusive com outro valor de comércio para cobrir exigências de Buenos Aires.

A questão agora é como um acordo na Rodada Doha não comprometerá a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Negociadores acham que não há espaço nem para o Brasil dar uma parte de sua flexibilidade para a indústria portenha. Para certos negociadores de países desenvolvidos, os argentinos colocaram o Brasil "numa situação muito difícil". A questão central é como resolver o problema da "camisa de força da TEC".

Stancanelli rejeitou críticas de que a Argentina vem causando problemas nas exportações brasileiras, insistindo que o comércio bilateral está aumentando 35% ao ano. O controle seria sobre importações procedentes da China. Em seu documento na OMC, a Argentina agora divide sua demanda de flexibilidade em duas partes: 16% teriam redução de 50% em relação ao corte que for determinado por uma fórmula, e outros 8% das alíquotas não teriam corte nenhum.

"Falei pela Argentina, mas o que estamos pedindo é para o Mercosul inteiro", disse Stancanelli. "Esperamos ter posição comum com o Brasil. Não vejo porque temos de pagar mais na rodada do que os países industrializados."

A Argentina argumenta que seu setor industrial tem sido motor da recuperação econômica do país. O número de empregos no setor aumentou 8% ao ano. O valor das importações industriais explodiu, registrando déficit na balança de produtos industriais com o resto do mundo, de US$ 86 milhões em 2002 para US$ 21,7 bilhões em 2007.

Buenos Aires considera também que não só os países desenvolvidos cobram muito e querem pagar pouco na Rodada Doha, como estão garantindo altos subsídios para o setor automotivo e áreas de serviços, no meio da crise, e que isso vai afetar "as condições competitivas para países como a Argentina, que não podem dar subsídios".

Na reunião de Brasília, ontem, os parceiros do Mercosul não discutiram nem o tema até então mais complicado da negociação na OMC: os acordos setoriais exigidos pelos Estados Unidos. Não existiu clima para isso.