Título: Recuperação da infra-estrutura será lenta
Autor: Jurgenfeld , Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2008, Brasil, p. A4

Enquanto o setor produtivo consegue mensurar parcialmente as perdas diárias que sente com a tragédia no Vale do Itajaí (SC) e vislumbra uma retomada da produção em alguns dias, a conta mais pesada das enchentes ficará com o setor público e com as famílias atingidas - ontem estavam confirmados 99 mortos, 19 desaparecidos, 78, 7 mil desalojados e desabrigados. Uma parte expressiva da infra-estrutura das cidades (energia elétrica, estradas, portos, sistema viário e saneamento) precisará ser reconstruída. Marcos Porto/Ag.RBS/Folha Imagem

Os helicópteros da FAB levam alimentos para as pessoas atingidas pelas enchentes em Santa Catarina; no Estado, tragédia provocou 99 mortes

O Estado não tem ao certo o tamanho do prejuízo econômico que as chuvas provocaram porque a Defesa Civil ainda realiza o levantamento dos estragos e há áreas em que as equipes não tiveram acesso, mas já se estima queda na arrecadação e preocupação com perda de receita principalmente do turismo e da área portuária, uma vez que o porto de Itajaí, principal do Estado e do país em cargas frigorificadas, poderá levar seis meses para ser totalmente refeito.

"A crise econômica chegou antes a Santa Catarina", lamentou Sérgio Alves, secretário da Fazenda de SC. Ele esperava que o Estado só fosse sentir recuo de receita no ano que vem pela crise americana, mas a tragédia na região de Blumenau deverá gerar queda de 10% na arrecadação já em dezembro, uma vez que diversas indústrias pararam e os dois municípios mais afetados -- Itajaí e Blumenau - correspondem ao quarto e quinto maiores em arrecadação de ICMS, com receitas até outubro deste ano de R$ 490 milhões e R$ 424,5 milhões, respectivamente. O Estado arrecada R$ 600 milhões por mês.

"Muitos postos de combustíveis ficaram sem abastecimento, o porto e algumas indústrias ainda ficarão pelo menos 15 dias paralisadas. A movimentação econômica da região está muito precária", destacou Alves, que comenta a sinuca em que a Fazenda está neste momento em que os empresários atingidos pela situação pedem prorrogação do prazo dos impostos. "Ao postergarmos, também vamos afetar o repasse de recursos aos municípios afetados", diz.

No setor de energia elétrica, o presidente das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), Eduardo Pinho Moreira, foi ontem até a Eletrobrás para conseguir recursos para capital de giro. Disse que os investimentos em reconstrução da rede de energia nesta primeira etapa chegam a R$ 60 milhões e já se espera menos arrecadação por conta do grande número de áreas atingidas. "Houve uma grande extensão de queda de postes, transformadores e medidores", citou. Até quinta-feira, eram 31 mil consumidores sem luz no Estado.

A SCGÁS, empresa controlada pelo governo de SC, desde domingo não tem como distribuir gás com o rompimento do duto do Gasoduto Bolívia-Brasil. Ontem, divulgou atendimento ao pedido de industriais para postergação do pagamento de faturas para 60 clientes. Uma postergação que envolve R$ 23 milhões no total.

Na infra-estrutura, perdas significativas estão no sistema viário dentro dos próprios municípios, uma vez que há cidades como Itajaí que ainda estão 80% submersas, e também há problemas nas estradas estaduais que estavam ainda na quinta-feira interditadas por barreiras, casos da SC 416, SC-418 e SC-413, que fazem as ligações entre os principais municípios atingidos. Há estimativas iniciais de R$ 100 milhões para as obras emergenciais nas rodovias estaduais.

No porto de Itajaí, segundo o presidente Arnaldo Schmitt, o orçamento chega a R$ 320 milhões para reconstrução, além de perdas estimadas em US$ 35 milhões por dia de paralisação. "Mas não temos ainda uma avaliação perfeita", disse. Desde sábado o porto não trabalha porque já naquele dia havia forte correnteza no rio Itajaí-Açu prejudicando as atividades.

O relato do presidente do porto dá a dimensão do estrago da enchente de domingo: "Começamos ontem a fazer a batimetria (medição da profundidade) do cais. Itajaí tinha no berço de atracação um calado de 12 metros e agora está entre 14 metros e 20 metros. Um ponto no canal da Barra (área de acesso dos navios) está com oito metros e um outro ponto nessa mesma região está com sete metros. Isso prova que há muita oscilação na profundidade do cais e muito para consertar". Ele estima que um berço ou dois possam voltar a operar em 15 dias, depois das obras de dragagem, mas a boa forma só voltará em muito mais tempo. "E bota seis meses nisso", disse.

Diversas empresas passaram a remanejar suas operações, como a Perdigão, que passou a usar os portos de São Francisco do Sul (SC), Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS), que antes eram usados de forma complementar pela companhia.

Outra atividade econômica que poderá ser fortemente prejudicada é o turismo. O presidente da Santur, Valdir Walendowsky, tentava dar os esclarecimentos para as operadoras, mas estimou que cerca de 250 mil pessoas deixaram de circular pelo Estado nesta primeira semana da tragédia (incluindo os turistas de dentro do próprio Estado) e isso representaria perdas de cerca de R$ 100 milhões.

Ainda não é possível mensurar os efeitos que a tragédia poderá deixar para a alta temporada do verão. "Houve muita mídia nacional e no Mercosul sobre a situação. As pessoas que estão longe acham que a tragédia foi em todo o Estado e não concentrada em uma área mais do interior". Para Walendowsky, contudo, "alguma seqüela sempre fica no turismo" de episódios como esse. Ele ainda não revisou suas projeções que são de crescimento de cerca de 10% no número de visitantes na temporada 2008/09. Em 2007/08, foram cerca de 4 milhões turistas.

Para o Estado e as famílias, a retomada será muito mais demorada do que para as indústrias, que não contabilizam entre as perdas ativos fixos, como máquinas, ainda que tenham dificuldades de reunir todos os trabalhadores. "Ou o funcionário não chega para trabalhar ou não tem cabeça para trabalhar porque perdeu sua casa ou parentes", diz o presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis do Vale do Itajaí, Ulrich Kuhn. No setor têxtil, principal atividade da região de Blumenau, a retomada das atividades vem sendo gradativa. Na quinta-feira, as indústrias operavam a 70% da capacidade. Kuhn espera que até segunda-feira as atividades voltem à normalidade.

No setor cerâmico, na região de Criciúma, onde estão as principais indústrias do Estado, os funcionários seguiam dispensados à espera do conserto do gasoduto que rompeu em Gaspar com as fortes chuvas. A Federação das Indústrias (Fiesc) estimou perdas de R$ 7 milhões/dia para o setor, no Estado, com a paralisação por falta do principal insumo. A TBG, responsável pelo Gasbol, ontem informou que havia ainda chuvas no local prejudicando os trabalhos.

O presidente do Wal-Mart no Brasil, Hector Nuñez, viajou na quarta-feira para Santa Catarina para visitar os supermercados da rede e acompanhar a situação dos funcionários no Estado, onde a multinacional possui cerca de 2 mil empregados. Em Itajaí, uma unidade (bandeira Maxxi) foi saqueada, e outra loja do grupo, em Blumenau, foi fechada devido às chuvas e para garantir a segurança dos trabalhadores e do imóvel. No quadro de funcionários do grupo no Estado, há desaparecidos e famílias desabrigadas. A empresa criou um serviço de informações por telefone (0800) para tentar localizar os empregados. (Colaborou Cláudia Facchini, de São Paulo)