Título: Meirelles descarta governo
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2010, Política, p. 3

Pressionado pelo PMDB goiano, o presidente do BC sai da disputa pelo estado, mas não joga a toalha da briga pelo Senado e pela Vice-Presidência na chapa de Dilma

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, descartou ontem sua candidatura ao governo de Goiás. Em nota de próprio punho, divulgada pela assessoria do Banco Central, Meirelles deixou a porta aberta para uma saída política, que pode ser a candidatura ao Senado Federal, por Goiás, ou mesmo à Vice-Presidência na chapa do Partido dos Trabalhadores.

Antes de oficializar a decisão, Meirelles conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O titular do BC disse que, imediatamente após a conversa, ligou para o prefeito de Goiânia, Iris Resende, para comunicar que não estaria na disputa pelo governo. Meirelles informou ainda que o presidente Lula pediu para que ele continue à frente do comando do Banco Central.

Na nota oficial, Meirelles reafirmou que a definição sobre o futuro político só será anunciada ao fim de março. ¿Tomei a decisão de liberar o PMDB de Goiás de qualquer compromisso de dar prioridade ao meu nome e deixá-lo à vontade para compor a chapa imediatamente, se assim julgar necessário¿, afirmou. O tom tem a ver com a pressão que Meirelles vinha sofrendo por parte do PMDB do estado. ¿Tenho recebido apelos do PMDB de Goiás, particularmente do prefeito de Goiânia, Íris Resende, para que antecipe minha decisão sobre uma possível candidatura ao governo no estado¿, diz o presidente do Banco Central na nota. Para dizer não ao PMDB de Goiás, Meirelles alegou as responsabilidades que tem no Banco Central que, segundo ele, não permitem a antecipação da decisão sobre o seu futuro profissional.

¿Entendo as razões políticas que levam alguns integrantes do partido a considerar necessário construir agora a candidatura do PMDB ao governo do estado¿, observou. Diante da insistência do PMDB, Meirelles foi forçado a liberar o partido para compor a chapa de governo. Político, o presidente do BC agradeceu a oportunidade que o PMDB lhe ofereceu de ¿disputar o mais alto cargo de Goiás¿. Ele também não esqueceu os eleitores, estendendo os agradecimentos aos cidadãos do estado pelo apoio e carinho recebidos.

Ex-tucano

A pretensão política é uma marca do presidente do Banco Central. Desde que se aposentou em 2002, depois de uma vitoriosa carreira como executivo do setor financeiro internacional ¿ Meirelles chegou a presidente do Banco de Boston ¿ o goiano de Anápolis ingressou na política. Foi candidato a deputado pelo PSDB em Goiás. Vitorioso nas urnas em 2002 (foi o deputado mais votado no estado), Meirelles nem chegou a assumir o mandato e teve que se desfiliar do PSDB para assumir o cargo de presidente do Banco Central no governo Lula. Meirelles já completou sete anos no BC. Ano passado, filiou-se ao PMDB.

Leia a íntegra da nota do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles

Difícil trilha do ficha limpa

Daniela Almeida

Apesar da súbita vontade política de se votar o projeto sobre os fichas limpas (PLP nº 518/09) na Câmara dos Deputados, o caminho para que o projeto consiga ser efetivamente aprovado na Casa vai ser longo. Depois de conseguir voltar à pauta dos parlamentares, há ainda uma série de obstáculos a serem ultrapassados. Entre eles, o lobby para que a matéria não seja apreciada tão cedo, para que não valha nas próximas eleições e para que seja derrubada a parte do texto que torna inelegível o cidadão condenado em primeira instância.

Desde que chegou à Câmara, em 29 de setembro de 2009, o ficha limpa tem passado por vários percalços. Primeiro, teve de ser ¿adotado¿ por deputados, o que evitou a necessidade de conferir 1,3 milhão de assinaturas colhidas pela iniciativa popular. Meses depois, foi apensado a um outro projeto contra a corrupção, o PLP nº 168/93, para que tramitasse mais rapidamente. A partir de então, ficou parado, aguardando entrar na pauta de votação. De acordo com deputados ouvidos pela reportagem, a matéria era de difícil apreciação, pois dividia opiniões e levantava polêmicas. Apenas este ano, com a proximidade das eleições, o projeto de lei voltou a receber a atenção dos parlamentares.

Segundo o deputado Miguel Martini (PHS-MG), escolhido pelo presidente Michel Temer (PMDB-SP) para coordenar um grupo de trabalho com a missão de propor um texto de consenso, foram os líderes dos partidos que sugeriram, na primeira reunião com Temer, que o projeto entrasse em pauta. ¿Se a gente não fizesse força, a matéria continuaria em banho-maria. O meu trabalho é dar celeridade, mas ao mesmo tempo diminuir a quantidade de resistência na Casa¿, revela.

A principal questão que gera polêmica é a inelegibilidade automática como consequência de condenações em primeira instância ou denúncia acatada por órgão judicial. Na opinião de Carlos Velloso, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Superior Tribunal Federal (STF), a Constituição estabelece a presunção de inocência. Logo, uma decisão de primeiro grau não seria suficiente para afastar um candidato das eleições. ¿Se a condenação é confirmada em segundo grau, essa presunção estaria seriamente abalada.¿

A validade do projeto para as próximas eleições também é rejeitada pelo ministro, que cita o artigo 16 da Constituição. ¿Qualquer matéria eleitoral só poderá ser aplicada se votada um ano antes das eleições¿, comentou. Os pontos serão discutidos pelo grupo de trabalho coordenado por Martini e pela sociedade, em audiências públicas em Minas, responsável pelo maior número de assinaturas, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo Martini, o presidente da Câmara assumiu o compromisso de pautar a matéria até o fim de abril.

SEM TOLERÂNCIA O PLC nº 518/09 prevê que cidadãos comuns condenados em primeira instância e políticos cumprindo mandato que tenham denúncia formalizada pelo Ministério Público acatada por qualquer tribunal fiquem de fora da disputa nas urnas. Isso significa que processos criminais por improbidade, tráfico, estupro, homicídio e desvio de verbas seriam o suficiente para tornar os políticos inelegíveis por oito anos. A campanha Ficha Limpa foi encabeçada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Entenda o caso

PONTOS DE DISCÓRDIA

Validade

Polêmica: Defensores do projeto querem que ele passe a valer nas próximas eleições, em outubro. Os opositores alegam que a legislação manda que qualquer alteração nas regras aconteça um ano antes do pleito.

O que dizem os juristas: Tudo o que diz respeito ao processo eleitoral está sujeito ao artigo 16 da Constituição, o qual reza que eventuais alterações só podem ser aplicadas em uma eleição que aconteça um ano depois.

Condenações em 1ª instância

Polêmica: Aprovado na íntegra, o PLP 518/09 tornaria inelegível qualquer cidadão condenado em primeira instância. O grupo de trabalho parlamentar que analisa o projeto já admite deixar a condenação em primeira instância apenas para as ações criminais e crimes hediondos. Casos de improbidade administrativa só impediriam uma candidatura com a condenação de segundo grau.

O que dizem os juristas: A Constituição estabelece a presunção de inocência. Na interpretação dos especialistas, uma decisão de primeiro grau não seria suficiente para afastar esse candidato do pleito, ao passo que a condenação em segundo grau abalaria seriamente essa presunção.

Denúncia acatada

Polêmica: O Ficha Limpa estabelece a inelegibilidade de um cidadão que tiver contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado devido à prática de crimes como racismo, tráfico de entorpecentes, tortura, terrorismo, exploração sexual de crianças e adolescentes, utilização de mão de obra em condições análogas à de escravo, entre outros.

O que dizem os juristas: Vale a mesma análise para a condenação em segunda instância. Especialistas defendem que seria injusto estabelecer inelegibilidade com base apenas em denúncia acatada, já que pela Constituição só é culpado quem tem trânsito em julgado, no que toca a matéria criminal.