Título: Governo vendeu ilusões para obter apoio
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2008, Especial, p. A14

No comando de um Estado de vocação exportadora - o Espírito Santo -, o governador Paulo Hartung (PMDB) acha que o melhor período para o Congresso aprovar a reforma tributária passou e a votação do projeto deve ser adiada. O motivo: a crise financeira internacional. "Nós já estamos vivenciando a crise", disse Hartung em conversa ontem com o Valor. Ed Viggiani/Valor

Paulo Hartung (PMDB), governador do Espírito Santo duvida da viabilidade da reforma tributária: "Quem vai ganhar e quem vai perder com a reforma? A União? Então está sobrando dinheiro?"

"Vamos cortar um dobrado enorme em 2009, uma incerteza enorme sobre as receitas públicas, e não podemos adicionar mais incerteza num ambiente desses", disse o governador capixaba. "A agenda 2009 complicou muito. Nos já temos problemas demais para tratar ano que vem para adicionar mais um".

O governador do Espírito Santo cita o caso de quatro grandes empresas instaladas no Espírito Santo para demonstrar que não há exagero no que afirma:

1- A Arcelor Mittal Tubarão (antiga Companhia Siderúrgica de Tubarão, a CST) desligou um de seus altos-fornos. É a primeira vez que isso ocorre, em seus 30 anos de existência;

2- A Vale já parou três usinas de "pelotização" no porto de Tubarão e começou um lento processo de demissão;

3- A Aracruz, uma empresa com bons fundamentos, estava na contramão da questão financeira e está revendo contratos com fornecedores;

4- A Samarco, localizada na região Sul do Estado, parou duas de suas três usinas de "pelotização" e deu férias coletivas aos funcionários.

O Espírito Santo se posiciona contra a oportunidade de votação da reforma na mesma semana em que o secretário da Fazenda de outro Estado do Sudeste, São Paulo, condenou a pressa da Câmara em votar o projeto e foi acusado de agir por motivos eleitorais do governador José Serra pelo relator da proposta de emenda constitucional, o deputado Sandro Mabel (PR-GO).

Hartung elogia tanto o relator Mabel quanto o presidente da comissão especial, deputado Antonio Palocci (PT-SP), a quem classificou de "parceiros". Os dois, segundo Hartung, fazem um grande esforço para a "reforma andar, o problema é que a hora não pode ser essa, e o projeto tem de ser mais abrangente, na hora em que andar".

Hartung tem dúvidas técnicas sobre o projeto. Acha, a exemplo de outros governador, que a proposta não passa de uma unificação do ICMS, quando deveria ser um instrumento de desenvolvimento regional e da redução da carga. Ele pergunta quem vai ganhar e perder, como ocorre em toda reforma tributária. "A União", questiona, para responder em seguida com outra pergunta: "Tá sobrando dinheiro"?

Hartung, na realidade, reflete o sentimento de governadores de outras regiões do país, para os quais o Ministério da Fazenda vendeu uma "ilusão" para os governadores do Nordeste, que apóiam a medida. É a ilusão de que um carro produzido em São Paulo ser tributado em apenas 2% e o restante cair na conta do Estado de destino. O assessor especial Bernardo Appy fez umas simulações para os governadores da região e eles concluíram que, no líquido, sairiam ganhando.

Paulo Hartung diz: "A reforma não tem a pedagogia do desenvolvimento nacional. Não sei nem se merece o nome de reforma tributária".

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como vê a votação da reforma tributária?

Paulo Hartung: O tema é bom, mas a hora não é compatível com alterações no sistema tributário nacional.

Valor: Por quê?

Hartung: A hora de fazer reforma tributária, e isso não é uma visão local, é uma experiência internacional, é justamente no momento de prosperidade, de crescimento.

Valor: Mas essa hora, pelo jeito, já perdemos.

Hartung: De certa forma essa janela de oportunidades foi aberta lá atrás. Agora nós temos contratada uma diminuição das receitas públicas para fevereiro

Valor: Por que não janeiro?

Hartung: Porque janeiro é a receita de dezembro, ainda. Então quando chegar em fevereiro os governos - federal, estadual, municipal - vão começar a ver o efeito da crise nas suas receitas públicas. Então nós já temos contratada uma diminuição de receita. Diminuição no sentido de que tinha expectativa de crescer muito, não é?

Valor: O Orçamento do Espírito Santo tinha essa expectativa?

Hartung: Eu refiz. Fui o único que refez até agora, pelo que eu conheço. Todo mundo mandou com 14%, 15% para as Assembléias.

Valor: O seu ficou em quanto?

Hartung: Em 3,7%, é o menor. Fomos para o mundo conservador. Inclusive fiz acordo com o Judiciário, Assembléia Legislativa, com o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Todos aceitaram a mesma estimativa. O que é importante, porque contingenciar eu posso o meu - o deles eu não posso.

Valor: E o que a reforma tributária tem com isso?

Hartung: Veja bem: nós já temos contratada uma receita menor a partir de fevereiro do ano que vem. Isso já está contratado. Nós só não sabemos o tamanho do problema. O que gera uma incerteza no administrador público. O administrador público já tem uma incerteza, uma apreensão, nós vamos colocar outra, que é a reforma tributária?

Valor: Por que a reforma tributária é uma incerteza?

Hartung: Porque a reforma impacta as receitas públicas, ninguém sabe quem ganha, quem perde. É um tema bom que agora ameaça evoluir na hora errada.

Valor: Do ponto de vista técnico, é a reforma ideal?

Hartung: A observação que eu tenho ouvido de muitos governadores - depois tratamos do Nordeste, que eu quero falar separadamente - é que na verdade é quase uma reforma do ICMS, não é uma reforma tributária.

Valor: Como assim?

Hartung: Foca apenas na criação de um IVA federal, colocando algumas algumas contribuições lá dentro. E o que mexe mesmo é com o imposto que financia os Estados federados e os municípios. E ela é parcial, uma reforma parcial, não sei nem se merece o nome de reforma, tenho dúvidas.

Valor: O que mais?

Hartung: Outro aspecto que considero importante nessa discussão é a questão da alíquota interestadual. Aí entra a questão do Nordeste. Acho que se turvou o ambiente. As lideranças nordestinas acham que vão botar a mão numa grana, e aí aderiram a reforma...

Valor: E não vão?

Hartung: Eu não sei se vão colocar a mão na grana que estão pensando, eu não tenho essa segurança. Acho que existe um pouco de precipitação. Acho que está se vendendo aí uma coisa que ninguém tem tanta certeza. Mas está se produzindo no país um modelo em que se tira o estímulo do Estado ser produtor. E quem está falando isso não é um Estado produtor, é o Espírito Santo. Mas eu acho que todo Estado tem que ter estímulo para correr atrás de desenvolver suas vocações econômicas.

Valor: Mas como o Espírito Santo não é um Estado produtor?

Hartung: É. Mas não é São Paulo, não é a locomotiva do país. Deixa eu dizer de outra maneira: eu acho que a alíquota estadual pode diminuir, talvez até deva diminuir, mas isso deve ser feito no sentido de manter uma alíquota que estimule os Estados a desenvolver suas vocações. Na agricultura, na área de serviços, na área comercial, na área industrial. Cada Estado tem a sua vocação e é legal que corra atrás. E essa alíquota interestadual sempre foi um instrumento para que todo mundo corresse atrás do processo de desenvolvimento, da sua diversificação econômica.

Valor: E não é bom cair a alíquota, por exemplo, para 2%?

Hartung: Se você derruba a alíquota para 2%, na verdade você acomoda os estados que são hoje consumidores de produtos industrializados de outros Estados para ficarem nessa situação e não correr atrás para passar a fabricar produtos, para passar a desenvolver contra a prestação de serviços e assim por diante. A reforma não tem a pedagogia do desenvolvimento nacional. O que nós precisamos é de política de desenvolvimento regional ativa. Inclusive fazendo como os países desenvolvidos fizeram, olhando as regiões, vendo o que vale a pena fazer, que é competitivo, e botando grana para que seja feito. E não que os Estados se acomodem como Estados de consumo.

Valor: Esse não é um discurso muito paulista?

Hartung: Se São Paulo falasse isso, todo mundo ia ficar contra. Mas sou eu, governador do Espírito Santo falando isso. Nós temos que procurar uma maneira de continuar o processo de desconcentração do desenvolvimento. Espalhar o desenvolvimento para além de São Paulo. Não deu certo esse modelo concentrador.

Valor: Por que devemos fazer a reforma tributária?

Hartung: O empresário quer a diminuição da carga, que é insuportável. É uma carga muito pesada para um país em desenvolvimento. E o povão? O povão quer para ter um sistema tributário mais justo. Onde pague mais quem tenha mais, quem ganhe mais, quem tem mais riqueza, mais patrimônio. As duas premissas que movem a luta por uma reforma tributária não estão contempladas nisto nesse texto. Isso é mortal.

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