Título: Governo quer apertar fiscalização às ONGs
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2008, Finanças, p. C8

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) recebem centenas de milhões de reais em dinheiro público e a fiscalização de suas atividades é pífia. Essa é a constatação de órgãos do governo responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro, como o Banco Central, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda e a Controladoria-Geral da União (CGU). Eles querem levar ao Congresso uma nova lei com regras mais rígidas para as ONGs e estão debatendo o assunto durante o Encontro Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla), em Salvador.

O Coaf quer que as ONGs envolvidas em irregularidades sejam proibidas de contratar com o governo por três anos. Há também a necessidade de aumentar a fiscalização sobre entidades que são dirigidas por servidores públicos. O Coaf verificou que as ONGs integradas por servidores recebem três vezes mais em volume de recursos federais do que as demais entidades. Hoje, são comuns as investigações de convênios entre ONGs e órgãos públicos por "desvio de finalidade" (uso da verba para objetivo diferente do que o inicialmente previsto). Há entidades que usam parte da verba do governo para autofinanciamento administrativo. Outros problemas comuns são: o uso de notas fiscais "frias" para justificar os gastos e a falta de comprovação do uso do dinheiro repassado para os objetivos dos projetos apresentados pelas ONGs.

Outra proposta é o BC informar todas as remessas de dinheiro para o exterior envolvendo ONGs de modo a ampliar a fiscalização por outros órgãos públicos, como a CGU. O BC também pediu regras mais rígidas para as ONGs estrangeiras que atuam no Brasil, como, por exemplo, a prestação de contas anuais. O problema é que hoje as autoridades não sabem nem quantas são as ONGs estrangeiras em funcionamento no Brasil. Neste ano, houve recadastramento dessas entidades. Das 163 ONGs internacionais antes registradas, apenas 40 se recadastraram.

Por causa dessas dificuldades, a Secretaria Nacional de Justiça concluiu que é necessário fazer um amplo cadastro de todas as ONGs no Brasil e impor mecanismos unificados para a prestação de suas contas. A partir deste cadastro as ONGs seriam controladas de acordo com três grandes grupos: ONGs em faixas de fronteira, em áreas indígenas e as que possuem contato com o poder público.

De acordo com a Secretaria, a ausência de uma base de dados confiável sobre as ONGs é mais grave nos Estados e municípios. O Ministério da Justiça pediu a prefeitos e governadores que enviassem informações sobre as atividades das ONGs, mas muitos responderam que não sabem quantas atuam em seus territórios. O Ministério da Justiça possui o cadastro de apenas 17 mil ONGs, só que esse número deve ser bem maior.

O Coaf também fez o alerta de que há uma concentração de verbas para algumas entidades e o resultado é que poucas recebem muito dinheiro. Uma ONG de Pernambuco obteve R$ 228 milhões, equivalente a 84% do total recebido pelas entidades naquele Estado. Outra ONG ficou com 85% da verba dada a essas entidades em Rondônia (R$ 19,3 milhões).

O governo também está preocupado com a participação direta de pessoas com registros criminais nas ONGs. Num universo de 6.298 dirigentes, há 187 pessoas envolvidas em diversos crimes, como estelionato, fraudes, contrabando, lavagem de dinheiro e até lesão corporal. De acordo com levantamento do Coaf, há 43 dirigentes de ONGs envolvidos em processos de crime contra o patrimônio público. Outros 69 dirigentes respondem a acusações por crimes contra a ordem econômica, como sonegação e contravenção penal. E há 75 dirigentes respondendo a processos por crimes contra a vida, como homicídio, agressão ameaça e formação de quadrilha.

Representantes do Ministério Público Federal constataram que há várias dificuldades para a maior fiscalização das ONGs, como o objetivo amplo em seus estatutos, as dificuldades de comprovação dos serviços prestados e o baixo número de pessoal para monitorar as suas atividades. Para o MPF, é preciso uma nova lei, com novas obrigações, como cadastro das entidades e padronização na prestação das contas.