Título: A dengue entre nós
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2010, Brasil, p. 14

DF enfrenta avanço do mosquito, com 1.167 casos só este ano. Secretaria de Saúde diz que não tem gente suficiente para combater a doença

Jassy, com Nelsa e Neide, na Vila Planalto: ¿Você não tem medo de vir aqui?¿

O que para o resto do país ainda é um risco, para os brasilienses, é uma realidade. O Distrito Federal enfrenta uma epidemia de dengue. Desde o início do ano até agora, segundo o Ministério da Saúde, 1.167 casos da doença já foram diagnosticados. O número é quase cinco vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2009, quando 236 pessoas foram infectadas pelo mosquito Aedes aegypti, transmissor da moléstia. E essa ainda não é a pior notícia para quem vive no DF. A Secretaria de Saúde admite que não tem agentes de vigilância ambiental suficientes para combater o avanço da enfermidade. Segundo o assessor especial da Subsecretaria de Vigilância à Saúde, Ailton Domicio, com o efetivo que trabalha hoje, não é possível sequer realizar as operações preventivas de rotina.

Ontem, o Ministério da Saúde divulgou novo balanço epidemiológico. Em todo o país, só entre 1º de janeiro e 13 de fevereiro, 108,6 mil registros da doença foram contabilizados. Cinco estados concentram 71% do total de infectados no país ¿ ou 77,1 mil notificações. A situação em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Rondônia e Goiás é crítica. No ranking da doença, Mato Grosso do Sul concentra os piores índices com 21,05 mil casos, o equivalente a 851,7 doentes para cada 100 mil habitantes. Para a pasta, o DF ainda está em situação mais confortável, com 44 infectados para cada 100 mil habitantes.

¿Nós estamos em guerra com a dengue, e precisaremos da ajuda da população para evitar males ainda maiores¿, afirmou Domicio. Segundo o assessor, a Secretaria de Saúde aguarda resposta sobre o pedido de socorro feito ao Ministério da Defesa. Ciente de que não vencerá a dengue sozinho, o Governo do Distrito Federal (GDF) solicitou o envio de militares para auxiliar o combate à doença. Segundo o assessor especial da subsecretaria que acompanha o assunto, são esperados o envio de até 200 homens das Forças Armadas.

O GDF planeja, ainda, abrir concurso emergencial para contratação de agentes de vigilância ambiental. Quantos? Nem a Secretaria de Saúde sabe. ¿Se você me perguntar quantos agentes seriam necessários para cobrir todo o DF, eu não saberia te responder. A cidade cresce a cada dia, precisamos fazer esse estudo, mas agora, a nossa prioridade é conter a doença¿, ressaltou. Hoje, a secretaria conta com 460 pessoas nas ruas para identificar focos e orientar a população.

Sem planejamento, a Secretaria de Saúde tem como meta chegar ao patamar indicado pelo governo federal, que é de um agente para cada 800 residências. E enquanto o governo manobra para conseguir, ao menos, ter pessoal suficiente nas ruas para combater o mosquito, a população sofre. Na Vila Planalto, cidade em que foram notificados os primeiros casos da doença no DF, o medo é iminente. ¿Você não tem medo de vir aqui, minha filha?¿, perguntou ontem dona Jassy Martins, 67 anos, à reportagem do Correio. Ela passou três dias internada por conta da dengue. A neta, Micaela, de 8 anos, também ficou doente. ¿Quase bati as botas. Era tanta dor, tanta dor. Não fui porque Deus não deixou¿, contou Jassy.

Na mesma rua em que ela mora, a vizinha Neide Nogueira ainda sofre com os sintomas da dengue. ¿Estou entrando no 18º dia de sofrimento¿, lembrou. No primeiro dia, chegou a vomitar sangue. Ela e a mãe, Nelsa Nogueira, de 69 anos, vão viajar. Sair do DF. ¿Estou fugindo da dengue. Já faço hemodiálise, se pego essa doença, eu morro. Estou com medo.¿

Para Ministério, não há epidemia Marcelo Ferreira/CB/D.A Press Foco de dengue em Águas Claras: em 45 dias, 108 mil casos no Brasil

Na casa de Francisca Martins, 49 anos, na Vila Planalto, a dengue aterrorizou dois filhos e o marido. Marcos, o mais velho, de 23 anos, contraiu o tipo mais agressivo da enfermidade: a dengue hemorrágica. Passou oito dias internado. Enquanto se recuperava, viu o pai, Guanair, de 50 anos, adoecer e passar duas semanas convalescente. Depois foi a vez do filho mais novo, João Paulo, de 17 anos, ir para o hospital. O diagnóstico: dengue tipo 1. E o mosquito que colocou em estado permanente de medo a cidade de Francisca, no Distrito Federal, deixou o país inteiro vulnerável a uma epidemia. Os números assustam. Nas primeiras seis semanas deste ano, o número de casos de dengue mais que dobrou em comparação com 2009. Entre 1° de janeiro e 13 de fevereiro foram registrados 108.640 casos em todo país, contra 51.873 no mesmo período do ano passado. Até agora, 21 mortes tiveram a dengue como causa confirmada.

O coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue, Giovanini Coelho, tentou amenizar o impacto causado pela escalada do número de pessoas infectadas. Disse que o país ainda não vive uma epidemia, e pediu ajuda à população. ¿Estamos em risco. A dengue é uma doença de centros urbanos, e precisamos que a população atue junto conosco para evitar que ela se espalhe pelo país¿, ressaltou.

Até agora, cinco estados concentram o maior número de casos. E nesses, mais de um terço (34%) das notificações estão concentradas, segundo boletim epidemiológico divulgado ontem pela pasta, em em cinco municípios: Campo Grande (MS), com 12.7 mil casos; Goiânia (GO), com 12.3 mil; Aparecida de Goiânia (GO), com 3,2 mil, Rio Branco (AC), com 5 mil e Porto Velho (RO), com 3,4.

Entre os fatores que colaboram para a proliferação do mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti, estão as chuvas e as altas temperaturas, que contribuem para a proliferação do mosquito ¿ que adora água parada.

Outro aspecto que preocupa as autoridades sanitárias do país é o retorno da dengue tipo 1, que era encontrada com mais facilidade na década de 80. ¿Quando você tem uma população que nunca foi exposta a determinado tipo de vírus, a chance de epidemia é muito grande. E temos uma parcela da população que não teve contato com esse vírus. São crianças e adultos jovens que nasceram após esse período em que houve maior circulação do tipo 1¿, explicou Coelho. (DL)

Quando você tem uma população que nunca foi exposta, a chance de epidemia é muito grande¿

Giovanini Coelho,coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue