Título: Crise se aprofunda, apesar da sucessão de pacotes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/11/2008, Opinião, p. A12
O governo americano está apagando um incêndio atrás do outro nos mercados financeiros e eles não param de surgir. A quase nulificação do valor acionário do Citigroup, um ícone das finanças globais, obrigou o Fed e o Tesouro a estender ainda mais um já enorme sistema de proteção, de aproximadamente US$ 4 trilhões. Outros pacotes virão com o novo governo, pois o sistema bancário continua muito frágil e, o que é pior, essa fragilidade não ocorre no fim de um ciclo recessivo, mas em seu início.
A ameaça de quebra do Citi revelou que os danos causados pela ganância, imprudência e vigilância foram maiores até mesmo do que se supunha após a quebra do Bear Stearns e do Lehman Brothers. Ao contrário dos bancos de investimentos, o Citi estava sob o guarda-chuva da fiscalização do Federal Reserve. O sistema de proteção de riscos da instituição, segundo o próprio Fed, era medíocre - e nada aconteceu. Se a crise atual deixará como herança um anedotário, nele certamente ficará registrada a frase de Chuck Prince, o chairman do Citi, que, às vésperas do início da tragédia do subprime, declarou que o banco dançaria enquanto houvesse música. O baile acabou logo e o Citi continuou dançando, em mais de um sentido.
Prince foi "aposentado" com um pacote de benefícios de dezenas de milhões de dólares e deixou o grupo financeiro com uma exposição de US$ 1,2 trilhão, sendo que US$ 667 bilhões em hipotecas securitizadas (The Economist, 25 de novembro). Quanto mais a recessão bate às portas dos EUA, mais frágil fica a situação dos bancos de varejo como o Citi. Quando os mercados abriram na segunda-feira, ficaram sabendo que o governo americano passara a ser o maior acionista individual do Citi, com a compra de 7,8% das ações, fruto de uma injeção de capital de US$ 20 bilhões.
A semi-bancarrota do Citi sacudiu a letargia do Tesouro, comandado por Henry Paulson. O papel principal de combate à crise tem sido de Ben Bernanke, do Fed. Paulson, ex-Goldman Sachs, foi pego de surpresa todo o tempo e, no auge da crise, agiu por instinto - propôs um pacote bilionário para salvar só os bancos e sem nada exigir em troca. Precisou o Congresso se insurgir para que Paulson fosse demovido da idéia e contrapartidas claras fossem exigidas das instituições. Após uma ajuda inicial de US$ 250 bilhões aos bancos grandes, o Tesouro ficou abúlico. Sem ter obtido um cheque em branco, Paulson parece ter se desinteressado do assunto, a ponto de dizer que não usaria o resto do pacote de US$ 700 bilhões. O Citi obrigou-o a entrar em cena novamente.
A compra de fatias do capital em troca do socorro significa um avanço na tentativa do Estado de salvar os mamutes financeiros privados. É difícil calcular o tamanho da conta final para os contribuintes. O governo assegurará US$ 306 bilhões em títulos do Citi. Os mercados reagiram aliviados, mas não resta dúvida de que as dificuldades do Citi colocam novas doses de pessimismo em uma situação de pânico sempre latente.
O Fed, por seu lado, agiu novamente para tentar manter o sistema de crédito à tona e estancar perdas. Ele vai comprar diretamente US$ 600 bilhões de hipotecas garantidas por ativos da Fannie Mae e Freddie Mac. Em dobradinha com o Tesouro, criará um fundo para comprar títulos lastreados em empréstimos para estudantes, compra de automóveis, cartões de crédito e linhas para pequenas empresas. Bernanke está disposto a usar todo o dinheiro possível para manter a economia funcionando com os bancos em frangalhos. Suas ações, porém, têm limites.
Desta vez, US$ 800 bilhões serão colocados para reavivar o crédito para o setor de imóveis, em uma tentativa incerta de estancar a depreciação dos bens, impedindo que os preços continuem caindo e erodindo o valor da montanha de títulos que estão acumulados nos bancos. A desvalorização desses papéis obriga os bancos a lançar mais perdas em seus balanços, tornando pouco útil o reforço de capital que têm recebido.
Um pacote abrangente, que ataque a recessão que se aproxima, está sendo gestado pelo presidente eleito Barack Obama, mas só será anunciado em 20 de janeiro. Pelo grau de deterioração das condições econômicas globais, a crise será longa e as esperanças de que uma recuperação surja no horizonte em 2009 se desvanecem.