Título: Região atingida reúne 21% do PIB estadual
Autor: Jurgenfeld, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2008, Brasil, p. A4

A Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) estima que os municípios do Vale do Itajaí deixaram de gerar R$ 358,3 milhões em riqueza durante a semana em que as economias das cidades ficaram praticamente paradas por conta das enchentes. O valor leva em conta o Produto Interno Bruto (PIB) da região, que representa 21,8% do total do PIB do Estado. A estimativa foi baseada em dados oficiais do PIB de 2005 (R$ 85,3 bilhões), calculado pelo IBGE, e não inclui os prejuízos à infra-estrutura, às residências ou a parques fabris. Wilson Dias/ABr

Ponte sobre o riacho Garcia no bairro Progresso, em Blumenau, destruída durante os temporais no Vale do Itajaí

No balanço divulgado ontem a noite pela Defesa Civil, o número de mortes causadas pelas chuvas chegou a 114, com 78,7 mil desabrigados, e foi feito novo alerta sobre riscos de deslizamentos nesta semana, especialmente segunda e terça-feira porque uma nova frente fria deve atingir o Estado.

Glauco José Côrte, 1º vice-presidente da Fiesc, disse que o valor estimado pode ser "considerado até conservador" porque foi usado o número oficial mais recente disponível, e que é um número de três anos atrás. Ele destaca que o valor também não leva em conta o fato de o impacto não ter se limitado à região do Vale do Itajaí. "Há empresas no oeste e sul do estado que não conseguem exportar mais pelo Porto de Itajaí. Estão tendo que buscar outros locais para escoamento, mais distantes, fora os problemas na logística de matérias-primas por conta do fechamento de estradas." Acredito que, no mínimo, R$ 500 milhões em riqueza deixaram de ser gerados em uma semana. Isso sem falar o que as enchentes geraram de perdas e os investimentos que serão necessários para a reconstrução", destacou.

Côrte calcula que essa tragédia foi pior do que a de 1983, ano de uma forte enchente também em Blumenau. Ele destaca que em 1983 o efeito foi mais restrito às inundações causadas pela água e na deste ano houve a destruição de cidades, principalmente pelo desmoronamento de morros. "Esta é muito mais séria". Em 1983, segundo o seu relato, quando a água baixou, as pessoas limparam suas casas, suas empresas e voltaram a trabalhar. "Em 30 dias tudo estava praticamente operando normalmente. Dessa vez, só o conserto do gás (Gasbol) levará 21 dias e o Porto de Itajaí, pelo menos 6 meses".

Em um levantamento divulgado na sexta-feira, com 111 indústrias catarinenses, a Fiesc verificou que o principal entrave enfrentado em decorrência das chuvas tem sido o escoamento da produção, com 67% das empresas informando que registraram dificuldades. Problemas no recebimento de matérias-primas foram sentidos por 64% das empresas e o não comparecimento de funcionários foi verificado por 47% delas. O acesso aos portos foi mencionado por 43%. Somente 22% das indústrias responderam que não sofreram problemas decorrentes das fortes chuvas. Do total de empresas participantes, 28% são do Vale do Itajaí e 72% das demais regiões.

O professor de pós-gradução em geografia econômica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade de São Paulo (USP), Armen Mamigonian, destaca a gravidade do problema econômico, uma vez que o Vale do Itajaí é uma das regiões mais dinâmicas de Santa Catarina e um dos pólos industriais mais relevantes. "Embora seja reconhecido pelo têxtil, hoje essa região abriga também outros setores como metalúrgicas. Em qualquer município pequeno daquela área, que no passado eram cidades agrícolas, hoje há indústrias e algumas são de grande porte, com mais de mil funcionários", destaca.

Em 1983, após a enchente que afetou muitos parques fabris em Blumenau, Mamigonian também afirma que as empresas se reergueram de forma rápida. "Foi muito pior para essas empresas a abertura econômica dos anos 90 do que a tragédia da inundação. Impressionou àquela época ver a cidade limpa dias depois da enchente e muitos empresários tomando a atitude de se proteger de enchentes futuras, como a construção de um muro de contenção pela Teka".

Para Mamigonian, esta catástrofe de agora deverá representar perdas maiores do que a anterior porque atingiu muito mais a infra-estrutura, que leva mais tempo para ser reconstruída. O porto de Itajaí, que em 1983 já existia, não tinha sofrido tanto impacto em qualquer outro momento como agora, cuja reconstrução está estimada em cerca de R$ 320 milhões.

Ele avalia, contudo, que SC tem uma posição bastante equilibrada na questão de pólos econômicos e não há concentração da industrialização em apenas uma única área do Estado, o que faz com que a economia do Estado como um todo sofra menos em momentos como este. Ele exemplifica essa diversificação a partir das agroindústrias no oeste, as empresas de papel e celulose na região de Lages (centro-oeste), as empresas de móveis em São Bento do Sul (Planalto Norte) e as metalúrgicas e metais-mecânicas em Joinville e Jaraguá do Sul (Norte).

O tempo de reconstrução das cidades atingidas é uma incógnita. Há prefeitos calculando dois anos para recomposição da normalidade, alguns empresários usam o termo "meses". Mamigonian destaca que independentemente do tempo estimado, na região há um fator importante para uma aceleração da recuperação: "existe naquela área essa mentalidade alemã de grande disposição para enfrentar as situações difíceis".

Na avaliação do professor, é preciso rever projetos antigos de construção de barragens ao longo do rio Itajaí-Açu. Após outra enchente, ainda nos anos 60, ele explica que o governo federal construiu algumas barragens, mas deixou a obra incompleta, especialmente na região de municípios mais na porção norte do Vale do Itajaí, que foram também duramente afetados semana passada. "Não quer dizer que a enchente não teria ocorrido, mas a barragem controla o fluxo do rio e certamente essa enchente seria menor".

O Vale do Itajaí de forma recorrente vem sofrendo na sua história com enchentes, de proporções distintas. Mamigonian destaca que a área onde está Blumenau é onde se inicia o médio vale do rio Itajaí-Açu e pelas próprias características naturais, de estar nessa região do curso do rio, tem mais riscos de enchentes. "As enchentes são cíclicas nesta área. Vão sempre ocorrer. Claro que os problemas ambientais contribuem, mas as cheias são características daquela área", diz ele, citando que até mesmo em 1852, poucos anos após a chegada do Dr. Blumenau (químico que colonizou o município), ele enfrentou a sua primeira enchente.

De acordo com o diretor de orçamento da secretaria de Planejamento, Romualdo Goulart, ainda não é possível prever um valor a ser investido na área para sua reconstrução. Na sexta-feira, ele se reuniu com o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira (PMDB) para possivelmente ajustar o orçamento às novas questões que agora atingem o Estado. O orçamento de 2009 foi feito entre junho e julho de 2008, em um cenário mais otimista. Naquela ocasião, os investimentos foram previstos em R$ 1,3 bilhão, principalmente com o foco para a construção de rodovias de acesso a municípios do interior do Estado, que ainda hoje são de estrada de terra. "Esse valor poderá agora vir a ser destinado para a reconstrução", disse ele, destacando que por enquanto é "prematuro realizar projeção de perdas e do prazo necessário para a reconstrução da infra-estrutura.

Segundo a Fazenda de SC, a diminuição mensal de arrecadação por conta da tragédia deverá durar até março de 2009. Em números absolutos, as perdas, considerando todos os municípios atingidos, podem chegar a R$ 100 milhões por mês na arrecadação do Estado.