Título: Planos encurralados
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2010, Economia, p. 18

SDE conclui que operadoras e entidades médicas atuam como cartéis no DF e em 3 estados

O bancário Washingon Silva: sem atendimento após troca de plano Nota técnica que embasa o processo da SDE: trechos relatam os indícios da atuação irregular na Saúde

Uma sucessão de irregularidades no atendimento a pacientes da rede particular de saúde e disputas por honorários levou a Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, a passar um pente-fino na saúde privada no Brasil. A maior representante das operadoras de convênios médicos, a União Nacional das Instituições de Autogestão (Unidas), está no cerne das investigações. A instituição, que já foi condenada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), é mais uma vez suspeita de formação de cartel e de práticas que quebram a concorrência de mercado. Além dela, diversos hospitais e entidades médicas no Distrito Federal, Espírito Santo e Amazonas terão de responder pelas mesmas irregularidades.

Há cerca de 15 dias, a SDE abriu três processos administrativos no Ministério da Justiça contra essas instituições e empresas de saúde suplementar. Em aproximadamente um mês, todos terão de apresentar defesa. Mais 55 investigações estão em curso na secretaria, a maioria motivada por indícios de formação de cartel. ¿Estamos fazendo uma força-tarefa. A maior parte dessas denúncias foi encaminhada no ano de 2004, quando se iniciou em todo o Brasil o movimento pela dignidade médica¿, explicou a coordenadora-geral de Assuntos Jurídicos da SDE, Ana Maria Melo Netto.

Honorários Desde então, os planos de saúde vêm denunciando os médicos por se juntarem em bloco para impor uma tabela de honorários, o que impossibilita a concorrência entre prestadores de serviço e eleva os custos para as operadoras e consumidores. A partir das queixas dos convênios, a SDE observou que os planos de saúde utilizavam a mesma prática ¿ tentavam impor uma tabela de preços. ¿Se as operadoras acham que os médicos são um cartel, do lado dos planos de saúde também tem cartelização, só que em plano de saúde isso é mais concentrado¿, ponderou Ana Maria.

A classe médica se defende. ¿O que estamos pleiteando não é cartelizar ou impor nossa tabela. Queremos pura e simplesmente um critério para reajuste anual dos nossos serviços, como todos os outros trabalhadores. O mercado é desfavorável para nós nas negociações. Ficamos à mercê das empresas. Um médico sozinho não tem como enfrentar o poder econômico de uma empresa que tem milhões de vidas como clientes¿, afirmou o diretor da Associação Médica Brasileira (AMB), Florisval Neinão. Segundo ele, a única forma que os médicos conseguiram para negociar foi pressionar por meio de descredenciamentos em massa, como ocorreu em Brasília em 2009 com a greve dos pediatras (leia memória).

Se planos de saúde e médicos entram em guerra e tentam negociar em bloco, o consumidor é quem sofre as consequências, ou com reajuste de mensalidades ou com atendimento precário. ¿Na época da greve dos pediatras, eu procurei um hospital porque meu filho estava doente. Tive de pagar R$ 90 pela consulta¿, relatou o bancário Washington Henrique da Silva, 42 anos. O banco em que ele trabalha mudou de plano de saúde. Na troca, as mensalidades aumentaram e dificuldades no atendimento surgiram. ¿O atendimento não está sendo feito em hospitais credenciados, só alguns poucos, além dos próprios hospitais do plano, estão nos recebendo. Às vezes, a gente liga para um lugar que era credenciado e ele diz que não aceita mais nosso plano¿, contou o bancário.

Tabela Nos processos abertos pela SDE, um deles se refere à Unidas em Brasília, além de hospitais e entidades médicas da cidade. De acordo com a nota técnica obtida pelo Correio que embasa o processo, os hospitais da cidade se uniram em uma tentativa de impor uma tabela de preços a serem pagos pelos planos de saúde. A conclusão da secretaria é que tanto as empresas de saúde quanto os convênios médicos atuaram como cartéis(1). O Sindicato Brasiliense de Hospitais é um dos que terão de responder. Procurado pela reportagem, informou que não se pronunciará até ter acesso ao conteúdo do processo. A Associação Médica de Brasília e a Associação de Médicos de Hospitais Privados também foram procurados, mas não retornaram aos pedidos da reportagem.

A Unidas foi a única que se defendeu: ¿Há muito tempo, temos denunciado no Cade as ações de cooperativas de médicos e associações de hospitais que se juntam para negociar. Eles é que cedem os serviços e se juntam para fazer um preço único. Em vez de (o Cade) ver porque eles negociam em cooperativa, esqueceram o assunto e foram atrás da Unidas¿, disse a presidente do Conselho Deliberativo da entidade, Marilia Ehl Barbosa. ¿Não existe cartel dentro da Unidas. Ela agrega empresas para buscar soluções no mercado.¿

Controle Cartel é uma forma de oligopólio no qual um grupo de empresas independentes entre si se reúnem para controlar o preço ou a oferta de um determinado tipo de produto ou serviço, reduzindo a possibilidade de concorrência legal. No país, alguns órgãos são encarregados de zelar pela defesa da concorrência a exemplo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça.

Memória Queda de braço

Por não aceitar a tabela imposta pelos planos de saúde, pediatras do Distrito Federal romperam os contratos com os convênios em 30 de agosto de 2009. Ao todo, 25 planos tiveram os contratos encerrados. Os pacientes com muitos desses planos de saúde tiveram que pagar R$ 90 pelas consultas no pronto-socorro dos principais hospitais particulares da cidade. Muitos médicos de consultórios também aderiram ao movimento, mas o eixo da iniciativa concentrava-se nas instituições. Os pediatras haviam começado a pedir o descredenciamento dos planos no fim de julho. Somente no início de 2010, os atendimentos foram normalizados, as conversas entre as empresas e os pediatras evoluíram e vários planos voltaram a ser aceitos nas emergências das unidades privadas de saúde do DF. Nos casos em que ainda não houve consenso, as negociações continuam. (VM)