Título: Crise global e Obama podem adiar acordos
Autor: Saccomandi , Humberto
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2008, Internacional, p. A9

A crise econômica mundial e a mudança de governo nos EUA ameaçam alterar e atrasar o processo de combate às mudanças climáticas da ONU. Esse é o temor do principal negociador da Polônia, país que organiza a maior reunião do ano sobre o tema.

Quase todo os países ricos estão atualmente em recessão ou perto dela. A maioria está ampliando gastos públicos para tentar estimular a economia. Isso significa mais despesas e menos receita, combinação que deve elevar muito o déficit fiscal nos EUA, na Europa e no Japão em 2009. Com isso, esses países ricos devem relutar em elevar contribuições ou criar novos mecanismos de financiamento para ajudar países em desenvolvimento a adotar medidas de redução de emissões de gases-estufa.

"A questão do financiamento é crucial", disse Maciej Sadowski, chefe da equipe de especialistas do país, que sedia a partir de hoje a COP 14, na cidade de Poznan. Ele é um dos negociadores-chave da principal reunião sobre clima do ano. "A principal diferença entre os países ricos e pobres é que os ricos querem mais redução de emissões e os pobres querem definições sobre financiamento."

"Os países ricos não cumpriram com os seus compromissos de financiamento até agora", disse Sadowski. Ele recorda, porém, que a maioria dos países em desenvolvimento ainda não tem uma programa nacional de mudança climática, que é um pré-requisito para receber financiamentos.

Segundo Sadowski, ficou acertado numa reunião preliminar em Varsóvia, há duas semanas, que "a atual crise financeira não pode ser uma desculpa para não se fazer nada". Ele disse confiar nesse compromisso dos negociadores dos países ricos, mas deixou claro que "não espera decisões significativas" em Poznan.

Com relação aos EUA, Sadowski afirmou que o presidente eleito, Barack Obama, expressou aos organizadores da COP 14 a vontade política de participar do processo multilateral de combate às mudanças climáticas, ao contrário do que fez o governo atual, do presidente George Bush. Obama enviará representantes a Poznan, que terão status de observadores.

"Mas os EUA precisam resolver questões internas primeiro", disse ele, referindo-se à crise econômica, que deve monopolizar a atenção de Obama e do próximo Congresso americano no primeiro semestre de 2009. "Não esperamos que o Congresso americano vá priorizar questões climáticas agora."

"Assim, podemos esperar que esse processo [de maior envolvimento dos EUA nas negociações climáticas] será relativamente longo" afirmou o polonês.

Isso pode levar à situação na qual o resto do mundo teria de escolher entre manter o atual cronograma de negociações, que prevê a conclusão de importantes acordos em 2009, numa reunião de cúpula em Copenhague, na Dinamarca, mas com a possível exclusão dos EUA de uma série de mecanismos de combate ao aquecimento global, ou dar tempo ao novo governo dos EUA de se engajar nas negociações, com o risco então de não conclui-las até o final de 2009.

A possibilidade de que o futuro governo Obama peça formalmente à ONU que as negociações sejam estendidas para além de 2009 vem circulando há algumas semanas. "Não me surpreenderia se eles pedissem um extensão", disse à agência de notícias Bloomberg, no mês passado, Dirk Forrister, diretor executivo da Natsource, de Nova York, empresa que negocia créditos de carbono. Para ele, "seria heróico" para os EUA aderir agora e conseguir cumprir com os compromissos definidos pela ONU na reunião do ano passado, em Bali, na Indonésia.