Título: Eleição não barra juro alto
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2010, Economia, p. 20

Banco Central sinaliza que aumentará a taxa Selic para evitar os riscos de uma disparada da inflação

Henrique Meirelles, presidente do BC, adverte que calendário não adiará decisões ¿tecnicamente justificadas¿ por parte da autoridade monetária

Se ainda restavam dúvidas, sobretudo dentro do governo, de que o Banco Central aumentará a taxa básica de juros (Selic) para conter a disparada da inflação, o presidente da instituição, Henrique Meirelles, tratou de enterrá-las ontem. Diante da interpretação de que o aperto monetário poderia ser adiado por causa da decisão de se retirar R$ 71 bilhões de circulação da economia por meio do aumento dos depósitos compulsórios recolhidos pelos bancos, ele afirmou que não há a menor possibilidade de o BC evitar decisões ¿tecnicamente justificadas¿, mesmo que, no curto prazo, elas possam parecer ¿antipáticas ou impopulares¿. E mais: o BC agirá para manter a inflação na meta de 4,5%, mesmo sendo 2010 um ano de eleições.

Para transmitir seus recados, Meirelles recorreu à posse de Carlos Hamilton na diretoria de Assuntos Internacionais do BC. O evento foi antecipado das 18h para às 12h, tamanho o ruído no mercado em torno dos rumos da política monetária. Meirelles foi enfático: ¿Enganam-se aqueles que esperam mudanças na conduta do BC e nas suas políticas em função do calendário cívico. Nossa dedicação aos objetivos do BC é inequívoca e permanente¿. Segundo ele, atuar de forma consistente significa atuar tecnicamente, com foco exclusivo no mandato legal do banco (de manter a inflação controlada), fazer o necessário na medida e na hora adequadas e não evitar decisões tecnicamente justificadas. Ou seja, o que deve prevalecer é o controle da inflação, para garantir o bem comum, sobretudo da população mais pobre, a que mais sofre com aumentos de preços.

O presidente do BC recomendou ainda aos mercados que priorizem, em suas análises, os documentos do Comitê de Política Monetária (Copom) e o que dizem as autoridades (especialmente, ele), e não sigam a interpretação de ¿agentes econômicos, analistas ou jornalistas¿. E o mercado seguiu à risca esse conselho. Tão logo terminou a fala de Meirelles, os juros nos mercados futuros dispararam. As taxas dos contratos com vencimento em janeiro de 2011, que haviam aberto o dia em baixa, de 10,41% para 10,37% ao ano, saltaram para 10,49%, encostando no patamar recorde de 10,50% verificado no fim de dezembro. Ou seja, o mercado ampliou a aposta de que a Selic subirá já na reunião de março do Copom e não mais em abril.

Previsões para IPCA pioram Adilson Vasconcellos/JCom/D.A Press / 4/8/08

As previsões de inflação para este ano estão cada vez piores. Parte importante dos analistas já prevê que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve superar os 5%, o que justificará uma ação rápida do Banco Central para evitar o descontrole das expectativas e uma onda de remarcações preventivas. ¿Com base nas últimas coletas de preços, revi minhas estimativas para o IPCA, de 4,6% para 5,2%, mesmo com o esperado aumento da taxa básica de juros (Selic) nos próximos meses¿, disse o economista-chefe da Personale Investimentos, Carlos Thadeu Filho.

Ele ressaltou que a piora da inflação ficará evidente, principalmente no primeiro trimestre. Pelas suas contas, o IPCA acumulado nesse período deverá oscilar entre 2% e 2,2%, restringindo o espaço para que o BC consiga manter o índice anual no centro da meta de 4,5%. ¿Pelas minhas contas, em fevereiro, o IPCA ficou em 0,88% (a taxa oficial sairá na próxima sexta-feira). Mas não descarto a possibilidade de o resultado ter sido maior¿, destacou. ¿Para março, projeto inflação de 0,60%. Por isso, acredito que o BC terá que antecipar a alta da Selic. A taxa terá que subir pelo menos 2,5 pontos percentuais ao longo ano para conter um pouco o consumo¿, acrescentou.

Thadeu reconheceu, porém, que parcela importante do IPCA do primeiro trimestre está ¿sujo¿ por aumentos que não se repetirão, como o das passagens de ônibus, o das mensalidades escolares e o de alimentos cujas safras foram prejudicadas pelo excesso de chuvas. ¿Mas é importante deixar claro que o BC não subirá os juros de maneira convencional. Na verdade, tirará os estímulos dados à economia no auge da crise mundial¿, frisou. Para ele, a Selic ficou abaixo do seu ponto de equilíbrio, levando a economia a crescer acima de seu potencial, o que fez a inflação se acelerar e as contas externas se deteriorarem.

No entender do economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, a necessidade de o BC agir rápido, elevando a taxa de juros em março ou em abril, está na mudança radical do quadro inflacionário deste ano. Até bem pouco tempo, as preocupações eram com a inflação de 2011 e muitos admitiam até a hipótese de o IPCA deste ano ficar abaixo de 4,5%. ¿Agora, todos estão focados nos riscos de a inflação de 2010 se afastar muito do centro da meta¿, afirmou. (VN)

REAÇÃO ÀS MEDIDAS DE MEIRELLES O endurecimento do discurso do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, enfatizando que o Comitê de Política Monetária (Copom) vai aumentar a taxa básica de juros (Selic) tão logo ache necessário e independentemente de 2010 ser um ano eleitoral, casou frisson entre assessores do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Muitos acharam o discurso exagerado, sob o argumento de que o BC não pode se pautar por aumentos pontuais de preços para promover um arrocho no crescimento econômico. No fim do dia, porém, vários desses assessores já diziam que, quando afirmou que pode tomar medidas impopulares e antipáticas a curto prazo, Meirelles não estava cravando a alta da Selic em março ou em abril. Para esse grupo, o presidente do BC quis, com sua fala, reduzir os ruídos do mercado e mostrar que os operadores estão exagerando nas apostas de um aperto monetário exagerado ¿ de até quatro pontos percentuais. (VN)

Acredito que o BC terá que antecipar a alta da Selic. A taxa terá que subir pelo menos 2,5 pontos percentuais ao longo ano para conter um pouco o consumo¿

Carlos Thadeu Filho, economista-chefe da Personale Investimentos