Título: Autoridades dos EUA vêem a crise de forma distinta
Autor: Paletta, Damian
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2008, Finanças, p. D1

A escolha de Timothy Geithner para o cargo de secretário do Tesouro dos Estados Unidos levanta dúvidas sobre o futuro de Sheila Bair, uma autoridade bancária de destaque no país que já entrou em conflito com Geithner sobre a melhor maneira de estabilizar o setor.

O embate mais recente ocorreu no fim de semana passado, quando o governo correu para evitar o colapso do Citigroup Inc. Geithner ajudou a chefiar as negociações que acabaram criando um sistema para o governo garantir uma carteira de US$ 306 bilhões do Citigroup. Bair reclamou várias vezes durante as negociações, depois que algumas autoridades sugeriram que sua agência, a garantidora de depósitos Federal Deposit Insurance Corp., oferecesse a maior parte das garantias do governo para o banco, disseram pessoas a par do assunto.

Embora ainda não esteja claro qual era a medida defendida por Geithner, ele tentou dirigir as negociações para uma conclusão rápida, apesar das objeções de Bair. No final, as autoridades fecharam um acordo, mas só depois que os acalorados debates se estenderam até o fim da noite de domingo. O episódio mostra como duas das autoridades regulatórias mais importantes do país enxergaram a crise com perspectivas diferentes.

Como presidente do Federal Reserve de Nova York, uma influente divisão regional do banco central americano, Geithner atua como os olhos e ouvidos do banco em Wall Street. Como secretário do Tesouro do governo do presidente eleito Barack Obama, ele teria poderes ainda mais abrangentes e um papel fundamental na reestruturação do fragmentado sistema fiscalizador dos EUA.

A agência de Bair tem poderes amplos, mas ela tem resistido aos pedidos do Fed e do Tesouro para alargar a exposição da FDIC à parte podre do sistema bancário - mudanças que teme que possam custar à agência bilhões de dólares. A FDIC é mais conhecida por seu papel de garantir depósitos para cerca de 8.500 bancos. Bair já manifestou preocupação com os novos custos para os bancos que a expansão de suas responsabilidades pode acarretar, uma vez que as instituições bancárias financiam o seguro governamental com o pagamento de taxas.

Se for confirmado pelo Congresso como secretário do Tesouro, Geithner pode ganhar influência sobre o convite para Bair continuar no comando da FDIC, adotar outro cargo no governo ou simplesmente deixá-lo. Bair, cujo mandato se encerra em 2011, disse terça-feira a jornalistas que "trabalharia com o novo governo em qualquer papel que quiserem".

Mas pessoas próximas de Bair disseram que ela só continuará na agência se sentir que seu trabalho é valorizado. Mesmo assim, mandá-la embora pode ser politicamente arriscado. Muita gente no Congresso gosta dela e a vê como uma das autoridades do governo que mais defende medidas para impedir execuções judiciais de imóveis. Ela também conquistou grupos de defesa do consumidor e os bancos de pequeno porte, algo que pode torná-la politicamente intocável.

Geithner, por meio de um porta-voz do Fed de Nova York, declinou comentar.

Integrantes da equipe de transição de Obama se reuniram com autoridades da FDIC para revisar as operações da agência, mas ainda não divulgaram nenhum comunicado oficial sobre o eventual papel de Bair no novo governo. Sua agência enfrenta um período difícil, e ela disse terça-feira que agora há 171 bancos na lista de "problemáticos" da FDIC, o que significa que estão sob grande risco de quebrar. No fim do segundo trimestre eram 117 bancos nessa situação.

A disputa de Geithner e Bair sobre o Citigroup ocorreu cerca de um mês depois que os dois bateram de frente em relação ao tamanho e abrangência de um novo e polêmico programa que usa a FDIC para garantir certos tipos de novas dívidas emitidas pelos bancos até junho de 2009. Geithner, juntamente com o atual secretário do Tesouro, Henry Paulson, queria que a garantia fosse mais ampla, dizem pessoas a par do assunto, já que considerava isso necessário para restaurar a confiança nos bancos americanos. Bair queria uma garantia mais limitada e questionou se as leis permitiam que sua agência garantisse dívidas emitidas pelas matrizes dos bancos. Como ocorreu com o debate sobre o Citigroup, as autoridades acabaram chegando a um acordo que diminuiu o nível de garantia, como queria Bair. (Colaborou Jon Hilsenrath)