Título: Planos Protegidos
Autor: Bueno, Por Denise
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2008, Especial, p. F1

A crise internacional não abalou nem o otimismo dos executivos de previdência privada aberta, nem a determinação dos consumidores decididos a fazer uma poupança de longo prazo no Brasil. "Menos de 5% dos R$ 135,8 bilhões das reservas dos planos estão aplicados em renda variável e isso acabou por blindar os planos de previdência", diz João Elísio Ferraz de Campos, presidente da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg).

"No entanto, todos têm de acompanhar com atenção redobrada os acontecimentos, uma vez que a crise financeira internacional atinge a toda a sociedade", acrescenta Campos, que criou na semana passada um fórum de debates para monitorar os fatos. Para Armando Vergílio, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o setor continua bastante sólido. "A Susep mantém uma verificação permanente da saúde financeira das empresas sob sua alçada e das aplicações das reservas técnicas", afirma. Qualquer movimentação de ativos tem de ser avisada ao órgão regulador e os derivativos descasados, origem de boa parte dos problemas gerados com a crise, são proibidos pela regulamentação da indústria de previdência aberta no Brasil.

Para José Rubens Alonso, consultor da KPMG especializado em seguros e previdência, o segmento será afetado como todos os demais pela queda de valor dos ativos, mas de uma forma sutil. No Brasil, quase a totalidade dos ativos está em renda fixa, mesmo com a permissão de aplicar até 49% em renda variável. Ao contrário dos EUA, onde quase 100% dos recursos estão em ações.

Luciano Snel, diretor de produtos da Icatu Hartford, diz que os investidores que acompanham mais de perto o mercado financeiro foram os que tiveram uma postura mais ativa na mudança de perfil de plano. "Alguns optaram por um percentual menor de ações, enquanto outros buscaram oportunidades na renda variável, pois sabem que no longo prazo haverá recuperação", acredita.

Dados consolidados do setor mostram captação líquida positiva no acumulado até setembro, início do agravamento da crise. Tanto as reservas como as contribuições encerraram setembro com alta de 20%. O saldo total em depósitos somou R$ 135,8 bilhões e os depósitos, no ano, R$ 22,6 bilhões. "Geralmente em tempos de crise o setor é beneficiado, pois faz com que as pessoas pensem mais no futuro e nos riscos", diz Antonio Cássio dos Santos, presidente da Mapfre e da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi).

É unanimidade entre os executivos a aposta na manutenção do crescimento de 20% da indústria, percentual médio anual dos últimos dez anos. "Em 2009 deveremos chegar a R$ 165 bilhões em reservas", aposta Renato Russo, vice-presidente da SulAmérica e também da FenaPrevi. Duas situações são esperadas. Pessoas poupando mais com medo dos efeitos da crise e outras sacando porque precisarão dos recursos em uma situação de emergência. Os planos empresariais também poderão registrar queda no volume caso o índice de desemprego aumente.

Até o final de outubro, período mais crítico das perdas nas bolsas, não se registraram saques. "Os investidores estão mais maduros e sabem que a rentabilidade na bolsa se recupera no longo prazo", diz Tarcisio Godoy, presidente da Brasilprev, empresa de previdência aberta do Banco do Brasil em parceria com a americana Principal e com o Sebrae.

Em outubro, a previdência aberta foi beneficiada pelo Dia das Crianças, período em que todas as empresas fazem campanhas para estimular pais, tios e avós a dar de presente uma poupança de longo prazo aos menores. O resultado foi uma captação recorde em boa parte das companhias.

A MetLife registrou recorde de captação em outubro, com R$ 40 milhões. "Esse valor é três vezes maior do que a média mensal", conta José Loureiro, presidente da MetLife, que tem as agências do Citibank como principal canal de vendas dos planos. Fernando Moreira, presidente da HSBC Seguros, também comemora captação recorde em outubro. "Tivemos R$ 3,1 milhões em aportes novos e R$ 2,9 milhões em contribuições mensais em planos novos."

A continuidade do crescimento mesmo diante da crise é justificada pela expansão econômica do país, aumento da renda da população e consciência maior sobre a necessidade de poupar para o futuro. "A maioria da população já sabe que não pode depender do governo para viver sua aposentadoria com dignidade", diz Osvaldo Nascimento, diretor de seguros, previdência e capitalização do Itaú e vice-presidente da CNSeg.

Até um ano atrás, a estratégia para vender previdência complementar era mostrar para a população o déficit da previdência oficial, previsto em R$ 38 bilhões neste ano. É, porém, um rombo inferior ao de 2007, de R$ 44 bilhões. Diante disso, o apelo de vendas passou a ser a longevidade. "As pessoas estão vivendo mais e querem viver bem. Elas têm sonhos, como viajar, ter um negócio próprio, financiar sua aposentadoria. E só vão poder concretizar esses sonhos ao se preparar financeiramente para isso", cita Marco Antonio Rossi, presidente da Bradesco Vida e Previdência e vice-presidente da FenaPrevi.

A expectativa de vida no Brasil é de 68 anos para homens e de 76 para mulheres. No entanto, para quem chega aos 60 anos, a expectativa cresce, sendo que as mulheres têm mais 23 anos e os homens, 19. A natalidade mundial também se converte em um problema. Antigamente, a média eram seis filhos por mulher. Hoje é de 1,8. Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, indicam que, em 2050, o número de pessoas com mais de 65 anos de idade será equivalente ao número de crianças com até 14 anos.

"Esse cenário comprova que a indústria de seguros e previdência continuará num ciclo crescente", diz Elder Molina, presidente da Mongeral. No entanto, se houver uma forte recessão, as perspectivas terão de ser revistas. A previdência depende do crescimento da economia e da renda da população, um cenário vital para estimular a poupança de longo prazo. "Se houver uma retração gigantesca, o setor sofrerá. Mas até o momento as projeções apontam crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 3% em 2009", diz Juvêncio Braga, diretor da Caixa Seguros.

Nos últimos anos, o setor consolidou uma série de mudanças. O primeiro passo foi criar produtos simples e transparentes para a população, com incentivos fiscais. São basicamente dois: Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) e Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL). Apesar das siglas complicadas, eles assemelham-se a fundos de investimentos, sem rentabilidade pré-determinada, com diferenciais fiscais.

"São planos fáceis de entender e que repassam 100% da rentabilidade. As pessoas não precisam ficar fazendo contas. Podem acompanhar o desempenho pelos jornais ou em sites", explica Nascimento, do Itaú. Uma conta simples tem mostrado a força do hábito de poupar. Um depósito de R$ 30 por mês durante 40 anos, acarretará em R$ 250 mil no final do período.

Foi instituída a portabilidade, que permite à pessoa transferir, sem restrições, recursos de uma instituição para outra, e a blindagem, que passa a titularidade do fundo da seguradora para o investidor. Apesar de instituída pela Lei 11.196, de 2005, a blindagem ainda precisa ser regulamentada pela Susep.

Segundo Nascimento, que há uma série de implicações legais para a blindagem ser implementada. "É preciso adaptar as normas para a legislação em vigor e ainda não há uma previsão."

Até mesmo os estrangeiros citam que o Brasil é um dos países com o melhor tratamento tributário para a poupança de longo prazo. "O pacote de incentivos do Brasil é um dos melhores que conheço", diz Norman Sorensen, responsável pela área internacional da seguradora americana Principal, com operações em vários países do mundo e aqui sócia do Banco do Brasil.

Quem aplicar no PGBL poderá deduzir até o limite de 12% da renda bruta no Imposto de Renda. Durante o período de acumulação de recursos não há tributação, diferentemente do que ocorre em outras aplicações. Em CDB, por exemplo, há cobrança de imposto de 15% no vencimento. Já no VGBL a tributação é sobre o rendimento no momento do saque.

O investidor pode escolher entre dois sistemas de tributação. Na tabela regressiva a alíquota é de 35% para os recursos investidos por até dois anos e caem cinco pontos percentuais a cada dois anos, até chegar a 10% a partir do décimo ano. Há também a tributação progressiva, onde há o desconto de até 27,5% sobre o benefício ou resgate, independentemente do tempo de permanência no plano.

O VGBL é líder de vendas com captação de R$ 16,9 bilhões de janeiro a setembro, alta de 25,6%. Os planos PGBL apresentaram evolução de 6,93%, para R$ 3,2 bilhões. Os planos tradicionais, que não são mais comercializados - apenas recebem aportes dos clientes antigos -, registrou queda de 2,16% no volume de captação, para R$ 2,4 bilhões.

Da matriz do VGBL e do PGBL surgiram outros produtos, mas o que muda basicamente é o apelo de vendas. Os planos para menores são os que mais crescem. No acumulado do ano até setembro as contribuições saltaram 47,41%, para R$ 1,6 bilhão. As empresas vêm estimulando suas vendas neste segmento porque perceberam que tem um histórico de depósitos mais estável. E o melhor, com menos saque.

Os planos corporativos captaram R$ 3,1 bilhões nos nove primeiros meses do ano, evolução de 13,3%. A maior parte das grandes empresas e das multinacionais já oferta esse benefício aos seus funcionários.

Apesar do crescimento constante, as seguradoras buscam viabilizar benefícios fiscais para continuar a atrair as pequenas e médias empresas para o setor e outros tipos de pessoas com necessidades diferenciadas. "Está na pauta da FenaPrevi debater o que pode ser feito para beneficiar o funcionário das pequenas e médias empresas", diz Nascimento.

Outro apelo de vendas tem sido o uso dos produtos PGBL e VGBL para garantir a sucessão patrimonial e também para a formação de poupança de longo prazo para fazer frente a despesas médicas. "Enquanto num inventário os recursos só ficam disponíveis em um período superior a um ano, o dinheiro aportado em previdência pode ser sacado rapidamente", afirma Nascimento.