Título: Investidor no Brasil corre risco menor do que no exterior
Autor: Bueno, Denise
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2008, Especial, p. F2

As notícias internacionais e o clima de incerteza trazem preocupações para os investidores de longo prazo. As perdas do setor financeiro com a crise já superam US$ 1,4 trilhão, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Um valor para assustar qualquer investidor. Afinal, os recursos previdenciários estão aplicados no mercado financeiro. Ruy Baron / Valor José Cechin, ex-ministro da Previdência: "O governo da Argentina quer fazer caixa com a poupança dos argentinos"

Entre as principais dúvidas respondidas pelas empresas aos investidores que ligaram para o call center em busca de respostas estavam questões como: "Será que a empresa em que deposito meus recursos vai quebrar?" Ou: "E se acontecer aqui no Brasil a estatização do sistema previdenciário como na Argentina no início de novembro?" "Com a desvalorização das ações atingirei a meta traçada no prazo estabelecido? "

Executivos da indústria de previdência aberta do Brasil e economistas são unânimes em assegurar que a realidade brasileira é muito diferente da de países desenvolvidos como também dos países vizinhos. "A estatização na Argentina foi uma decisão oportunista do governo e eles têm um sistema bem diferente do Brasil, onde o plano de previdência é totalmente privado. Realmente a decisão é um absurdo", diz Nilton Molina, presidente do conselho de administração da Mongeral e vice-presidente da Confederação Nacional das Seguradoras, Empresas de Previdência e Capitalização (CNSeg).

O governo da presidente Cristina Kirchner apoderou-se de US$ 26 bilhões que eram administrados pelas dez Administradoras de Fundos de Aposentadorias e Pensões (AFJP, na sigla em espanhol). O sistema argentino tem 9,5 milhões de trabalhadores registrados, mas apenas 3,6 milhões são contribuintes efetivos. A justificativa foram as perdas com a crise, que superavam US$ 8 bilhões.

O ex-ministro da Previdência Social, José Cechin, concorda com Molina. "O governo quer fazer caixa com a poupança dos argentinos. Os governos seguintes é que terão de honrar os compromissos assumidos". A justificativa do governo da Argentina ao se apoderar dos recursos previdenciários foi proteger os participantes, uma vez que os planos estavam registrando perdas tanto em razão da volatilidade dos mercados acionários como pela redução dos rendimentos de renda fixa.

Na Argentina, a contribuição previdenciária difere do Brasil, que tem um modelo híbrido e sem obrigatoriedade. O argentino é obrigado a contribuir, seja para um sistema oficial, parecido com o INSS brasileiro, ou para as AFJP, administradores privados que gerenciam os recursos acumulados para serem pagos no futuro como aposentadoria. As AFJP aplicavam quase 70% dos recursos nos títulos do governo argentino.

As empresas de previdência aberta do Brasil aplicam mais de 90% das reservas de R$ 135,8 bilhões nos títulos do governo brasileiro. "Quem acredita que haverá uma desvalorização dos títulos do Tesouro Nacional ou um risco de calote do governo Lula? Ninguém.", afirma Molina. "Os fundamentos da economia brasileira estão sólidos e o governo goza de ampla credibilidade."

Quanto às perdas em previdência dos países europeus, Estados Unidos e Japão, principais em poupança previdenciária no mundo, Molina cita uma diferença básica. "Eles podem investir até 100% em ações. Aqui nós só podemos ir até 49% e, mesmo assim, as taxas de juros de renda fixa são um convite e tanto a ficar no porto seguro dos títulos do governo", comenta. "Quem vai querer correr risco se o Tesouro está pagando cerca de 18% ao ano em seus títulos?", questiona o economista Willian Eid, da Fundação Getúlio Vargas, especializado em finanças pessoais.

Outra diferença é que nos planos mais vendidos nos EUA, conhecidos como 401k, a empresa permite que o empregado defina integralmente a alocação do investimento. Segundo a Aon Consulting, divisão de benefícios da consultora e corretora do grupo Aon, "no Brasil, a empresa define a alocação de suas próprias contribuições e elas estão em renda fixa. No quadro atual sem dúvida há maior perda para os aposentados americanos".

Nos EUA, os recursos previdenciários privados chegam a US$ 10 trilhões. As contas de poupança têm a maior parcela, com US$ 4 trilhões. O 401K representa US$ 3 bilhões. Um temor das administradoras de recursos é com a recessão. A General Motors já anunciou que suspenderá os depósitos no plano de aposentadoria dos seus funcionários como uma das medidas para recuperar sua saúde financeira.

Além da diferença de regimes previdenciários e de regras de aplicação de recursos, há uma grande diferença entre os produtos privados de previdência no Brasil e países desenvolvidos. Aqui, os planos foram modernizados e só são vendidos produtos dentro do conceito de contribuição definida. Ou seja, o valor do depósito é definido pelo valor que a pessoa quer ter no futuro. Calcula-se o prazo que será necessário para atingir a poupança, levando-se em conta a projeção do rendimento financeiro que será obtido com a acumulação dos recursos no período.

Esses planos - conhecidos como Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) e Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL) - vieram substituir planos tradicionais e também os planos de benefício definido, fundos com risco tanto para as empresas como para os participantes por garantir uma renda futura. "Isso se tornou impossível com o avanço da medicina, pois as pessoas vivem muito mais", diz Molina.

Ainda há planos tradicionais, com garantia de rentabilidade. Porém, as reservas destes planos estão aplicadas em ativos de longo prazo. Tais produtos representam 1,5 milhão dos 9 milhões de clientes, e R$ 30 milhões das reservas. Caso a seguradora não consiga rentabilidade do próprio patrimônio do fundo para pagar o valor acordado, terá de tirar do seu próprio patrimônio, informa a Susep.

"Ficamos livres dos impactos da crise por termos um produto que garante o risco da morte e não da rentabilidade", explica Nilton Molina. Os produtos de previdência mais vendidos nos Estados Unidos e no Japão são os chamados anuidades variáveis, com quase 100% das reservas aplicadas no mercado acionário. Como as taxas de juros nesses países são baixas, investir em ações é o caminho para se chegar ao valor esperado num prazo mais curto. As empresas garantem uma rentabilidade mínima para estimular o apetite por risco dos participantes e mostrar que no longo prazo perdas cíclicas são recuperadas.

O grande risco neste tipo de produto é quando a queda na rentabilidade vem seguida de uma crise de confiança e também por um período recessivo. "Se não houver saque, as perdas serão recuperadas no futuro e o valor alvo será atingido. Mas os saques trazem prejuízos para os participantes que ficarão sem a chance de recuperar a perda e também pela penalização de sair antes do final do contrato ao perder incentivos fiscais", diz Molina.

Se houver saque generalizado, a empresa de previdência pode não encontrar liquidez suficiente no mercado para resgatar as aplicações feitas nos fundos de investimentos para pagar todos os participantes e aí se cria um risco sistêmico, como se observou em vários países do mundo nos últimos dois meses.

Para Molina, esse risco está afastado no Brasil, porque os participantes não serão surpreendidos por perdas tão significativas. O conservadorismo das regras, permitindo aplicar só até 49% em renda variável, e o forte apelo da rentabilidade dos títulos do Tesouro traz rentabilidade positiva à maioria dos fundos de previdência privada aberta.

Apenas os fundos balanceados, com até 49% dos recursos aplicados em ações, registraram perdas de 22% no acumulado do ano até outubro, segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid). Os fundos de renda fixa acumulavam ganhos no ano próximo a 9%. Em comparação aos fundos de investimentos, os fundos de previdência estão numa situação bem melhor. Dados da Anbid mostram rentabilidade negativa média de 44% nos fundos de ações indexados ao Ibovespa.