Título: Facebook ignora crise e mantém planos de expansão
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Fonte: Valor Econômico, 01/12/2008, Empresas, p. B3

Com as trevas baixando sobre o Vale do Silício, a maioria das companhias iniciantes e das gigantes tecnológicas está ficando mais cautelosa e recuando em seus planos. Mas não o Fecebook. O site de relacionamentos da internet vê a fraqueza da economia como mais um motivo para prosseguir com seus agressivos planos de crescimento. "Este não é o momento das companhias de tecnologia recuarem; este é o momento de pisar no acelerador", diz Peter Thiel, membro do conselho de administração e investidor do Facebook.

Os executivos do Facebook acreditam que podem usar a desaceleração econômica para ganhar terreno sobre a concorrência. Portanto, eles vão se esforçar muito para manter o crescimento do número de usuários nestes tempos difíceis. A companhia está se preparando para mais aquisições, contratando rapidamente e lançando novos programas de propaganda. Em vez de reduzir os custos de desenvolvimento do site, o Facebook tem engenheiros preparando versões em idiomas como xhosa, falado na África do Sul, tagalo, língua em uso nas Filipinas, e francês canadense, para conseguir públicos de nicho ao redor do mundo. "Não estamos neste jogo por apenas cinco ou dez anos", diz Sheryl Sandberg, diretora operacional do Facebook. "Estamos nele para 20 a 30 anos."

Para alimentar o crescimento, a companhia pediu este ano à Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais nos Estados Unidos, uma isenção incomum. Normalmente, as companhias de capital fechado que superam os 500 acionistas precisam começar a revelar publicamente seus resultados financeiros. (Esta é a lei que ajudou a levar o Google a abrir o capital em 2004). O Facebook está se aproximando desse limite, de modo que pediu à SEC que faça uma concessão para que a companhia possa continuar contratando e distribuir ações restritas sem precisar prestar contas ao público. A SEC concordou com o pedido em 14 de outubro. Isso vai ajudar a companhia a chegar nos 800 funcionários até o fim do ano, contra 400 no fim de 2007.

A companhia está até mesmo reduzindo as metas de receita para atrair mais usuários. Em janeiro, o fundador e presidente-executivo Mark Zuckerberg disse que o Facebook almejava receita de US$ 300 milhões a US$ 350 milhões este ano. Mas no segundo trimestre, Zuckerberg e seu conselho reduziram a meta de receita para algo entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões, segundo fontes familiarizadas com as finanças da companhia. Thiel diz que engenheiros foram afastados dos programas de anúncios para se concentrarem em novas características, idiomas e outros projetos que vão incrementar o crescimento do número de usuários. Mesmo com o enfraquecimento da economia nos últimos meses o Facebook decidiu prosseguir com a abordagem "invista agora e lucre depois". "Ainda achamos que este é um terreno em que precisamos tentar ganhar escala primeiro", diz Thiel.

É uma estratégia corajosa e cada vez mais rara no Vale do Silício. No mês passado, a destacada firma de venture capital Sequoia Capital fez uma apresentação para as companhias iniciantes nas quais tem investimentos intitulada "Descansem em Paz, Bons Tempos", em que afirma que as empresas precisam cortar os custos rapidamente para poderem sobreviver. Um slide exibido no Power Point incluía uma caveira sobre duas tíbias cruzadas e as palavras "espiral de morte", para mostrar o destino provável das companhias iniciantes que não conseguirem se adequar à nova realidade. O ponto de vista da Sequoia tornou-se um ponto de vista aceito entre os capitalistas de risco do Vale do Silício, que levou a demissões em muitas companhias.

O Facebook ainda não é muito lucrativo. Mas Thiel diz que a companhia pode se dar ao luxo de ser agressiva. A empresa captou cerca de US$ 500 milhões e seu fluxo de caixa está "ligeiramente negativo", diz Thiel. Ao ritmo atual de queima, ele diz que a companhia tem fluxo de caixa suficiente para três ou quatro anos. "Se parássemos de crescer, poderíamos ganhar dinheiro, mas não faz sentido para nós parar de crescer", afirma.

A estratégia do Facebook contrasta com a do rival MySpace. Parte do grupo News Corp. de Rupert Murdoch, o MySpace recuou no crescimento para se concentrar nos lucros. Nos últimos 12 meses, o site cresceu modestamente, para 161 milhões de usuários, segundo a consultoria comScore.

O MySpace afirma que disputar uma corrida não é tão importante. Travis Katz, diretor de operações internacionais, diz que cerca de 85% dos gastos mundiais com propaganda on-line estão concentrados em cinco mercados - Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Alemanha e França -, e nesses mercados o MySpace é 30% maior que qualquer concorrente. Este é um dos motivos que leva o MySpace, embora menor no número de usuários, a caminhar para receitas estimadas em US$ 606 milhões este ano, segundo o Goldman Sachs, mais que o dobro das receitas do Facebook. "Não estamos preocupados em nos lançar em todos os países", diz Katz.

O Facebook pode não alcançar todos os países, mas altos-executivos como Zuckerberg dão a impressão de que gostariam que isso acontecesse. Um site de relacionamentos que pode colocar pessoas em contato com amigos na Arábia Saudita, Filipinas ou Tonga, dizem eles, simplesmente é mais valioso que um que não consegue fazer isso. O diretor-financeiro Gideon Yu diz estar tentando fazer negócios para ampliar o alcance da companhia. As principais opções podem incluir sites no Brasil, Alemanha, Índia ou Japão, onde o Facebook não tem uma presença forte. "Se houver para nós uma chance de adquirir alcance geográfico ou demográfico, pode ser prudente para nós seguir em frente e comprar", diz Yu.

Ao mesmo tempo, o Facebook precisa encontrar um modelo de negócios sustentável. Todo o foco na expansão significa que Zuckerberg e Sandberg terão de fazer isso durante uma retração grave da economia. As empresas normalmente cortam os investimentos em períodos de recessão, especialmente em novas formas de propaganda, como as dos sites de relacionamento da internet. "A primeira coisa eliminada são os anúncios experimentais", diz Debra Aho Williamson, analista da consultoria eMarketer.

O Facebook espera ganhar dinheiro de três maneiras. A propaganda on-line é de longe a mais importante, respondendo por estimados US$ 200 milhões a US$ 225 milhões em receitas neste ano. A companhia também está vendendo produtos digitais - versões eletrônicas de guitarras, flores e coisas que os amigos do Facebook dão uns aos outros. Cobrar US$ 1a unidade por esses produtos vai gerar entre US$ 30 milhões e US$ 40 milhões este ano, segundo estimativa do capitalista de risco Jeremy Liew.

A terceira ramificação dos negócios do Facebook poderá ser a mais comercial. A companhia está considerando seriamente um plano para conseguir dinheiro das programadoras que criam aplicativos para o site. Essas companhias iniciantes fabricam os softwares que as pessoas usam no Facebook para descobrir novas músicas, jogar videogames ou compartilhar slide shows. O vice-presidente Chamath Palihapitiya, anunciando a iniciativa pela primeira vez, diz que a companhia poderá ajudar essas empresas iniciantes a gerar mais caixa com a propaganda ou o comércio eletrônico e depois ficar com uma fatia dessas receitas. "Aposto que vamos criar um modelo de negócios bastante significativo nos próximos anos", diz ele. Mas as empresas de programação já têm uma relação delicada com o Facebook, de modo que um avanço sobre qualquer parte de suas receitas poderá se mostrar contencioso.

O Facebook está contando com Sandberg para fazer todo esse trabalho. A ex-executiva de vendas do Google teve um papel-chave na transformação do gigante das buscas na internet em uma das companhias mais lucrativas do mundo.

Adam Freed, que trabalhou no Google para Sheryl Sandberg, diz que ela é exigente, mas apóia os funcionários. Ele se lembra de ter trabalhado em uma apresentação para o estabelecimento de um escritório do Google em Dublin, na Irlanda, e , na ocasião Sandberg ter dito a ele que a apresentação não estava boa o suficiente. Após fazer algumas sugestões, ela sentou-se ao computador de Freed para ajudá-lo a encontrar as palavras certas. "Ela foi dura comigo para que eu pudesse crescer", diz ele.

O Facebook e Sandberg estão procurando meios para atuarem além dos tradicionais anúncios on-line - os banners de texto e imagens que aparecem nos sites da internet. Eles acreditam que somente oferecendo algo realmente diferente, como fez o Google, o Facebook poderá se destacar entre os muitos sites da internet. Um exemplo veio em agosto, quando o Facebook começou a lançar o que chama de "anúncios de compromisso". Enquanto a maior parte dos anúncios on-line é como outdoor, alardeando um slogan, os anúncios de compromisso são mais parecidos com um quadro de avisos digital, encorajando os usuários a responder às mensagens com comentários, compartilhando presentes virtuais ou tornando-se fãs dos próprios anúncios. Alguns dos testes deram certo. Um anúncio de compromisso do filme "Tropic Thunder" da Paramount Pictures, que incluiu um trailer do filme, gerou 30 mil comentários dos usuários do Facebook. "Ri tanto que perdi o fôlego", escreveu um fã.

Um serviço que deverá ser lançado até o fim do ano, chamado Facebook Connect, proporcionará capacidade de rede de relacionamento à CNN, CBS e outros sites e poderá tornar a propaganda mais relevante para os surfistas da internet. O serviço monitora o que as pessoas buscam na internet e que tipos de sites elas visitam. Se o Facebook descobrir que você visita sites especializados em alimentos, por exemplo, ele poderá oferecer um anúncio para que você assine a revista "Gourmet". Para dar suporte a esses esforços, o Facebook mais que dobrou sua equipe de vendas, para 130 pessoas. A companhia vai complementar os 400 vendedores da Microsoft responsáveis pela venda dos tradicionais anúncios por display.

A companhia está progredindo na atração de anunciantes endinheirados - um dos motivos pelos quais as receitas poderão até dobrar em relação aos US$ 150 milhões do ano passado. Os clientes incluem a Blockbuster, Mazda e Ben & Jerry's. Katie O'Brien, gerente de marketing digital da fabricante de sorvetes de Vermont, diz que sua campanha publicitária saiu-se melhor que o esperado na última primavera americana (segundo trimestre). Quando a companhia permitiu aos usuários do Facebook presentearem-se uns aos outros com sorvetes de casquinha virtuais, ela antecipava a movimentação de 250 mil casquinhas. Mas o número foi duas vezes maior. "Isso criou uma boa percepção da marca e provocou agitação", diz ela.

Mesmo assim, O'Brien diz que as redes de relacionamentos ainda precisam se tornar parte do marketing da Ben & Jerry's. A companhia gasta a maior parte de seu orçamento para anúncios digitais em marketing de mecanismos de busca e em seu próprio site. Os anúncios nas redes de relacionamentos não têm o mesmo histórico, diz ela, e demoram para serem criados. Para o Facebook se tornar mais bem-sucedido na Madison Avenue, O'Brien e outros marqueteiros dizem que a companhia precisa facilitar o desenvolvimento, automação e gerenciamento das campanhas publicitárias. "As redes de relacionamentos são divertidas", diz ela. Mas "provavelmente elas terão que ter mais um ano de sucesso" para se tornarem essenciais.

Tal ceticismo não intimida Sandberg. O Facebook, diz ela, está nisso pelo longo prazo. É por isso que ela está tão determinada a seguir em frente, mesmo com outras sucumbindo à desaceleração da economia. "Estamos num novo setor", diz ela. "Estamos descobrindo isso." (Tradução de Mário Zamarian)