Título: Excesso de confiança ou erro de percepção ?
Autor: Cláudio Shikida e Gilson Geraldino Jr.
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2005, Internacional, p. A43

Quando se trata de negócios, espera-se que os envolvidos em determinada indústria tenham uma boa percepção do seu setor. Uma maneira de verificar a acuidade perceptiva dos empresários é comparar suas opiniões sobre o que acham que vai ocorrer ("priori") com o que ocorreu ("posteriori"), no setor em que atuam. Se a "priori" está sempre próxima da "posteriori", então os empresários estão acertando. Eventuais discrepâncias podem ser atribuídas a erros de percepção. Erros sistemáticos, porém, podem ser preocupantes. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem produzindo, desde 1999, uma pesquisa trimestral sobre a confiança dos empresários afiliados. De acordo com as informações metodológicas fornecidas pela CNI, os membros da confederação são questionados sobre as condições gerais, as condições atuais e as expectativas sobre o desempenho da economia. Os indicadores são construídos com base nas freqüências relativas das respostas apresentadas pelas empresas. Cada pergunta permite cinco alternativas excludentes a respeito do comportamento futuro da variável em questão. No caso da produção, por exemplo, as alternativas são queda acentuada, queda, estabilidade, aumento e aumento acentuado. As alternativas são associadas, da pior para a melhor, aos escores 0, 25, 50, 75 e 100. O indicador é a média desses escores, ponderada pelas freqüências relativas das respostas. O índice resultante varia numa escala de 0 a 100. Valores abaixo de 50 indicam que os empresários não estão confiantes com relação à economia brasileira, e valores acima de 50 significam que os empresários estão confiantes. Quando observamos o comportamento desses três índices (ver gráfico), percebemos que a confiança no futuro, dada pelas expectativas, está sempre acima da confiança nas condições atuais. Assim, desde o terceiro trimestre de 1999 os empresários consultados pela CNI estariam superestimando o desempenho dos mercados. Considerando que esses indicadores vêm sendo utilizados para balizar tomadas de decisões tanto pelos membros da CNI quanto por outras instituições, como o Banco Central, surge a seguinte dúvida: há erro na pesquisa ou há erro de percepção? Desconsiderando, mas não totalmente, a possibilidade de erro metodológico (viés amostral ou insuficiência da amostra, uma vez que a CNI não tem como obrigar os empresários a responderem os questionários), restaria o sistemático erro de percepção. Mas ao que se poderia atribuir esse erro? Talvez a um excesso de confiança no governo como garantidor dos lucros do setor privado.

Em caso de ameaça às margens de lucro, devido a flutuações cambiais, os exportadores sabem que o governo irá ajudá-los

Desde os primórdios da República, o governo do Brasil intervém para ajudar o setor privado, em particular os exportadores. As estapafúrdias atuações no mercado de café na primeira década do Século XX ilustram bem esse fato. Vale lembrar as medidas tomadas nos governos de Getúlio Vargas. Entre 1933-1937 houve significativa intervenção na cafeicultura. Para evitar queda nos preços da safra 1933-1934, 40% da colheita foi destruída, 30% estocada e somente 30% disponibilizada para livre negociação. Entre 1931 e 1943 foram destruídas mais de 70 milhões de sacas de café. Além disso, o governo fez generosa renegociação da dívida dos cafeicultores: abatimento de 50% e prazo de dez anos para pagar. Não há como ser pessimista com relação ao futuro numa conjuntura como essa. Além das intervenções diretas no mercado de café, existiam as ajudas indiretas, feitas através da adoção do sistema de taxas múltiplas de câmbio. Num dos momentos do governo Vargas, o país teve sete taxas de câmbio. Cinco do lado da oferta, sendo uma oficial fixa, válida para 85% das exportações de café, algodão e cacau; três taxas de câmbio flutuantes para as demais exportações, equivalentes a 15%, 30% e 50% da taxa oficial; e uma taxa de mercado livre. As outras duas taxas atendiam à demanda. Uma delas para importações essenciais (equivalente a 2/3 do total das importações), serviços ligados a essas importações, remessas financeiras do governo, rendimento de capital estrangeiro de interesse nacional, e juros e amortizações de empréstimo de interesse nacional. E outra para bens e serviços que não se enquadravam nas categorias especificadas. A recente intervenção do Banco Central no mercado de câmbio sinaliza para o setor exportador que ele pode continuar otimista. Afinal, perante a menor ameaça de comprometimento das margens de lucro devido às flutuações cambiais - algo absolutamente normal em um regime de câmbio flexível - os exportadores sabem que o governo fará algo para ajudá-los. No caso, evitar que o dólar fique muito barato em relação ao real. Mas isso não está restrito ao setor exportador. Aqueles que produzem somente para o mercado doméstico, como é o caso de energia elétrica, não têm por que ficarem pessimistas. A Light que o diga. Ganhou um aumento extemporâneo de tarifas para compensar o desequilíbrio no fluxo de caixa. Idem para as companhias aéreas privatizadas, que ainda vivem em braços estatais. Elas terão uma forma de se livrarem do ônus de décadas de má gestão em renegociações que podem ser tão generosas quanto as que foram feitas com os cafeicultores no governo Vargas. Assim, na verdade, talvez não haja erro metodológico ou de percepção por parte do empresariado, mas confiança absoluta no fato de que, se o mercado não melhorar, o governo intervirá para compensar a conjuntura adversa, independente dos esforços de produtores e investidores.