Título: Falta de linha causa apagões na Argentina
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Fonte: Valor Econômico, 02/12/2008, Internacional, p. A11
Quarteirões inteiros sem luz por três, quatro dias; comerciantes que perdem mercadorias perecíveis; protestos, trânsito fechado e panelaços. As deficiências de infra-estrutura voltaram a tumultuar a vida dos argentinos na última semana, trazidas à tona pela forte onda de calor que elevou a temperatura a quase 40°C, acompanhada de chuvas torrenciais.
Há exatamente uma semana, o ministro do Planejamento, Julio De Vido, responsável pela gestão energética do país, comemorava a passagem do inverno sem restrições de eletricidade e, pela primeira vez desde o verão passado, sem ter de importar energia do Brasil. Foi durante uma solenidade de abertura dos envelopes para o estudo de pré-viabilidade das obras da represa de Garabi. "Não há nenhum problema com a energia, o que há são inconvenientes pontuais", afirmou o ministro.
No dia seguinte começaram os cortes de luz, que atingiram grande parte dos bairros de Palermo e Recoleta, área residencial de classes média e alta da capital. Começaram às 19h30 e duraram toda a noite. Na quarta-feira, quase todos os bairros da capital argentina, a periferia e até cidades do entorno foram atingidos pelos cortes.
No inverno de 2007 e no verão passado, a Argentina sofreu sérias restrições no fornecimento de energia. A economia crescia ao ritmo de 8% anuais, e a demanda por eletricidade e gás ultrapassava a oferta. Próximo às eleições presidenciais de outubro, o governo mandou cortar energia das indústrias para não interromper o consumo das residências, atitude qualificada como "eleitoreira" pelos críticos e pela oposição.
Este ano, sem eleições e com a economia em desaquecimento, o governo argentino aparentemente mudou a estratégia. As indústrias não sofreram restrições. Em compensação, as residências - principalmente nos bairros mais ricos - estão sofrendo com os apagões. E na sexta-feira foi anunciado um reajuste de 18% para o gás encanado. Sem luz, também falta água, já que não há energia para ligar as bombas que jogam água nas caixas das casas e dos edifícios.
Na verdade não está faltando eletricidade. A geração de energia elétrica está maior, com 21 mil MW disponíveis (comparado a 18,5 mil em 2007), mais que suficiente para atender a demanda que, no pico da semana passada, superou os 18,6 mil MW. O problema agora é a falta de manutenção e de investimentos na rede de distribuição, que tem feito estourarem fusíveis e transformadores quando a demanda dos equipamentos de ar condicionado aumenta. As empresas distribuidoras dizem que investiram US$ 300 milhões nas redes de distribuição nos últimos anos. Elas reconhecem que não é o suficiente para reduzir o descompasso entre o necessário e o realizado, mas culpam o atraso tarifário promovido pelo governo.