Título: País hesita em debate sobre reforma da OMC
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2008, Brasil, p. A5
As dificuldades de avanço na Rodada Doha vêm estimulando debates sobre a governança do comércio mundial. O fracasso da reunião miniministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em meados de 2008, após sete anos de negociações, reforçou a discussão sobre a necessidade de promover uma eventual reforma institucional da organização. O tema poderia representar uma oportunidade para o Brasil influenciar a futura configuração do sistema multilateral de comércio mundial.
Entretanto, o país parece hesitar em abandonar as posturas tradicionalmente defensivas e cautelosas na maioria dos temas que compõem a agenda de debate nesse âmbito, afirmam o sociólogo Pedro da Motta Veiga e a economista Sandra Rios, ambos diretores do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), autores do artigo "O Brasil, as Negociações Comerciais e a Reforma do Sistema de Governança do Comércio Mundial" que será discutido amanhã, no Rio, no seminário "O Brasil e a Agenda Econômica Global", promovido pelo Cindes.
Sandra e Motta Veiga avaliam que a atuação do Brasil no G-20, coalizão de países em desenvolvimento formada em 2003, e a ascensão do país a membro dos grupos informais de negociação na OMC, caso do G-4 (EUA, União Européia, Índia e Brasil), aumentaram a expectativa e a demanda dos demais parceiros de que o Brasil participe ativamente dos debates sobre a governança do sistema multilateral de comércio e sobre a eventual reforma institucional da OMC. O Brasil, no entanto, tende a adotar posturas cautelosas na maioria dos temas, evitando apoiar movimentos que alterem de forma relevante o "status quo", dizem os autores.
Para Sandra, o Brasil vive um dilema na OMC. O país alcançou maior "protagonismo" nas negociações da Rodada Doha, mas esse papel torna-se "crescentemente incompatível" com a aspiração brasileira de permanecer como representante dos países em desenvolvimento. Tem se tornado difícil extrair posições de consenso entre esses países, diz Sandra.
No texto, ela e Motta Veiga lembram que as posições assumidas pelo Brasil ao participar dos grupos informais de negociação na OMC, como o G-4, suscitaram muitas críticas entre outros países em desenvolvimento, que denunciaram a cooptação de Brasil e Índia pelos países desenvolvidos. Na etapa final da rodada, a atuação brasileira produziu pesadas acusações de traição por parte dos argentinos, escrevem os autores.
Sandra e Motta Veiga afirmam que as dificuldades de avançar na liberalização do comércio em bases multilaterais e a simultânea proliferação de acordos regionais e bilaterais de comércio vêm estimulando debates sobre a governança do comércio mundial. Antes de 2008, alguns trabalhos, como o Relatório Sutherland, de 2004, patrocinado pela OMC para discutir o futuro da entidade, e o relatório da Comissão Warwick, de 2007, já haviam apresentado desafios e recomendações para a reforma e o fortalecimento do sistema multilateral de comércio mundial.
Os autores afirmam que entre os temas apontados como relevantes por essas iniciativas e por outros autores em artigos recentes estão o processo decisório da OMC, o princípio do "single undertaking" (compromisso único), os instrumentos para lidar com as necessidades dos países em desenvolvimento, o mecanismo de solução de controvérsias, as regras para disciplinar a relação entre regionalismo e multilateralismo e o escopo da agenda da OMC.
A discussão sobre os limites da agenda temática da OMC voltou a ganhar força, segundo os autores, a partir do impasse, nas negociações, em julho de 2008, e da percepção de que a retomada dos entendimentos poderia demorar alguns anos. Para algumas pessoas, a agenda atual da Rodada Doha incorpora apenas temas considerados "do passado". Segundo essa visão, quando as negociações forem retomadas, esses temas serão pouco relevantes, pois a preocupação dos países desenvolvidos com temas não relacionados ao comércio já estarão resultando na introdução unilateral de novas barreiras comerciais. Essas barreiras, dizem os autores, tornam a eliminação de tarifas insuficiente para garantir efetivo acesso a mercados.