Título: Ata branda derruba juro e dispara dólar
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2005, Finanças, p. C2

A ata da reunião de fevereiro do Copom do Banco Central confirmou as suspeitas de que seria crucial à definição dos rumos do mercado financeiro. O tom, em desconcertante contraste com o alarmismo exercitado no documento precedente, surpreendeu pelo excesso de candura. E provocou reações extremadas nos mercados: os juros despencaram no mercado futuro, o dólar disparou no segmento spot e a Bovespa deu um salto de 4,55%. Ao reconhecer nas notas do encontro realizada na semana passada que o cenário para a inflação é "benigno", o Copom precipitou ontem dois movimentos vigorosos nos mercados de câmbio e juros. Conjugados, os reposicionamentos de carteira tiraram de cena o terrorismo implantado pela ata de janeiro. O resultado foram pesadas quedas sobretudo nos contratos mais longos negociados no mercado futuro de juros da BM&F e expressiva alta do dólar no segmento à vista. A curva futura de juros sofreu uma forte inclinação na BM&F. Quanto mais distante o contrato, maior foi a queda. Para a virada de março para abril - o contrato que embute a projeção das instituições para a próxima reunião do Copom, marcada para o dia 16 de março - o CDI recuou de 18,88% para 18,84%. Nessa taxa, o contrato projeta elevação da Selic de 0,40 ponto no próximo Copom. Há duas semanas o consenso monolítico era de que o BC prosseguiria no ritmo de alta da taxa básica de 0,50 ponto. A ata quebrou o consenso. O mercado está claramente dividido entre os que ainda sustentam a expectativa de um avanço final da Selic de 0,50 ponto em março e os que apostam em alta em ritmo mais comedido, de 0,25 ponto. As duas alas concordam que a alta a ser feita no mês que vem será a última do ciclo de aperto monetário desencadeado em setembro. Os bancos também divergem não só em relação ao patamar - se 19% e 19,25% - em que a Selic será congelada, mas também sobre o prazo do congelamento. Para a vertente mais ortodoxa, a que defende a estabilização em 19,25%, o juro primário não voltará a cair antes de outubro. Para a otimista, que supõe manutenção da taxa em 19%, o congelamento irá, na pior hipótese, até o final do terceiro trimestre. A curva futura de juros torna-se negativa na virada do primeiro semestre. O contrato para maio recuou 0,08 ponto, para 18,95% e, para julho, a queda foi de 0,15 ponto, para 19,09%. A partir daí, o CDI cai nominalmente. O contrato para outubro, que ontem retrocedeu 0,22 ponto, já mostra taxa de 19,05%. O contrato mais líquido - giro de R$ 25,41 bilhões -, para a virada do ano, cedeu 0,28 ponto, de 19% para 18,72%. O principal alvo do BC quando calibra o juro básico também caiu. O contrato que serve de referência básica às operações longas de crédito retrocedeu de 18,85% para 18,55%. Mas o juro real permanece acima de 12%, ainda o campeão mundial absoluto. Recuou ontem de 12,44% para 12,16%.

Bovespa salta 4,55% e marca novo recorde

Para as operações desenvolvidas no mercado de câmbio esse horizonte de juro nominal de 18,5%, embora não se possa encontrar em nenhum outro lugar rendimento desta magnitude, já recomenda a diminuição das posições mais arriscadas mantidas tanto no futuro quanto á vista. Foi o que começaram a fazer ontem mesmo os bancos. As posições vendidas em dólar, já superiores a US$ 3,9 bilhões, foram substancialmente reduzidas. A rolagem diária dessas posições pode ser facilmente financiada em ambiente, como hoje, de farta liquidez internacional. E é absorvida pelos leilões de compra de dólar feitos quase diariamente pelo BC. Mas, para serem zeradas, requerem a compra final da moeda. O dólar subiu ontem para R$ 2,6330, alta de 1,5% (maior alta percentual dos últimos nove meses), sobretudo por causa dessas compras de bancos vendidos. Ajudou no movimento de alta leilão de compra feito pelo BC a R$ 2,627. E também a formação da "ptax" - taxa média oficial de câmbio - de partida para os contratos de swap, no valor de US$ 1,96 bilhão, vendidos na véspera pelo BC. A depreciação cambial ocorrida ontem ainda não configura uma tendência. Os bancos certamente não serão mais tão ousados em assumir megaposições vendidas. E o fluxo puro de capital estrangeiro não autoriza dólar abaixo de R$ 2,60. Mas não dá para apostar numa valorização da moeda americana que a conduza rapidamente para o degrau de R$ 2,80. Os mercados de juro e de câmbio constataram ontem que nem mesmo o núcleo duro do Copom consegue sustentar um discurso conservador quando a inflação corrente emite sinais visíveis de fadiga e debilidade. O exemplo do cenário "benigno" desenhado pela ata veio no mesmo dia de sua divulgação. O IGP-M fechado de fevereiro caiu para 0,30%, ante 0,39% em janeiro. A mediana do Focus previa 0,38%. A inflação também surpreende positivamente quando o índice considerado é o IPC FIPE. A segunda quadrissemana foi de 0,37%, quando as instituições previam algo entre 0,40% e 0,45%. Os investidores estrangeiros que proporcionam seguidos recordes ao Ibovespa celebraram o sinal do Copom de que em breve irá parar de apertar o juro. A Bovespa avançou 4,55%, definindo novo recorde a 28.436 pontos. O volume de negócios foi de R$ 2,55 bilhões. O risco-país caiu 2,27%, a 388 pontos-base.