Título: BC dá sinais de que vai manter os juros inalterados em 13,75%
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2008, Finanças, p. C3

Por ainda não saber qual será o impacto da desvalorização do real frente ao dólar e da desaceleração da economia sobre a inflação, o Banco Central (BC) dá sinais de que manterá os juros inalterados em 13,75% ao ano, na reunião da próxima semana do Comitê de Política Monetária (Copom). Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BC, Henrique Meirelles, primeiro tiveram um encontro e, em seguida, foram conversar com o presidente Lula, no Palácio do Planalto.

Em ambas as reuniões, ficou claro que o governo não tem uma avaliação conclusiva sobre o real estado do nível da atividade econômica: se a desaceleração é forte e prosseguirá, ou se os últimos dados da produção industrial representam o pior momento da crise, o mês de outubro, quando nem banco emprestava para banco, e isso não se reproduzirá nos próximos meses. A visão dominante converge para a segunda hipótese.

"Estamos pesando esses efeitos dentro do arcabouço do regime de metas. O regime é flexível o suficiente para deixar que a gente consiga reagir a esta crise, mas não dá para jogar o regime fora", advertiu uma alta fonte da área econômica do governo. "Se chegarmos a um momento em que as perspectivas para a inflação, de fato, melhorarem, a política de metas vai poder reagir a isso", completou.

Como a taxa de câmbio teve uma desvalorização de cerca de 50% de agosto para cá, ainda que o repasse dessa desvalorização para a inflação ("pass trought") seja pequeno, algo em torno de 8%, ela representará uma herança pesada para a inflação de 2009. Não há grandes ilusões, no governo, de que o mercado devolverá uma boa parte desse ganho cambial e o câmbio se estabilizará num patamar mais baixo.

"Parece prematuro dizer que nós sabemos tudo sobre o repasse cambial. Não se sabe ainda qual vai ser a intensidade desse repasse. Ele é mais rápido do que o efeito da demanda sobre a atividade e a inflação, mas não é instantâneo. Não dá para supor, com os dados que temos até agora, que o repasse cambial é um assunto já resolvido, de magnitude já conhecida", explicou a fonte.

O Banco Central mantém o objetivo de trazer a inflação para o centro da meta (4,5%) em 2009, anunciado por Meirelles em julho. As expectativas do mercado, conforme o último boletim Focus, revelam uma previsão de inflação de 5,25% para o ano que vem. "Temos uma inflação para 2008 que ainda está rodando bastante próxima do topo. Se ficar acima, o BC vai ter que publicar uma carta aberta dizendo como vai trazer a inflação de volta para o centro da meta", lembrou uma outra fonte oficial.

Soma-se a isso o fato de que o governo, tanto no ministério da Fazenda quanto no Banco Central, não compartilha das previsões pessimistas de crescimento econômico para 2009, algo entre 1% e 2%, conforme alguns analistas do mercado; assim como não insiste mais na tese de que a economia vai crescer 4%. As projeções oficiais indicam, porém, que para que o Produto Interno Bruto em 2009 ficar muito aquém de 3%, as coisas terão que piorar um bocado.

"Se o cenário de crescimento mais baixo (inferior a 2%) em 2009 se confirmar, isso terá impacto sobre a inflação, o que é mais um argumento para o BC manter a meta de 4,5%", reforçou a alta fonte. Para ele, "o mercado subestimou de certa forma o efeito da demanda sobre a inflação em 2008 e pode correr o risco de subestimar de novo. Subestimou na alta e pode vir a subestimando, agora, na baixa".

Se a suspeita é de que a demanda não esfriou tanto quanto se imagina e se o repasse cambial para os demais preços, que pressionará a inflação de 2009, ainda é desconhecido, não estariam claras as razões para o BC se antecipar e reduzir os juros básicos na semana que vem.

Na discussão sobre os rumos da política monetária, é preciso lembrar onde estava a economia antes da crise de meados de setembro, avalia um outro economista. Até o terceiro trimestre de 2008, o país crescia a 5,5% a 6% e a demanda doméstica crescia mais, em torno de 7%. Havia, assim, um problema de demanda aquecida e várias medidas foram tomadas para esfriar a expansão do crédito e o consumo privado. A inflação, por seu lado, andava próxima do teto no acumulado de doze meses. Esta era uma situação diferente do que já estava ocorrendo no resto do mundo.

A crise externa se agravou a partir de 15 de setembro e o crédito externo e doméstico desapareceu na terceira semana de outubro. Os dados do BC indicam porém, que a oferta de crédito está ligeiramente melhor. Se estivesse agora como foi no período mais dramático, a economia gelaria.

Para sair de um crescimento na casa dos 6% e chegar a algo entre 1% a 2% em 2009, " teria que haver um colapso tanto do consumo quanto do investimento", avaliam as fontes, que não comungam da idéia de que o que está ocorrendo de outubro para cá, como empresas demitindo ou dando férias coletivas, se perpetuará nos próximos trimestres. Eles apostam que no primeiro trimestre de 2009, as coisas vão se normalizar dentro de um quadro de desaceleração da economia, mas não de recessão.

Nesse sentido, também descartam a hipótese de o Banco Central vir a trabalhar com um regime de meta de inflação ajustada para o próximo ano.

"Qualquer mudança de objetivo por parte do BC neste momento seria contraproducente. Teria o efeito apenas de jogar as expectativas de inflação para cima e não daria nenhum grau de liberdade a mais para a condução da política monetária", comentou um graduado assessor da área econômica. Em tese, ao adotar uma meta ajustada superior à meta de inflação de 4,5% em 2009, o BC poderia ser mais flexível na política monetária, podendo reduzir a taxa Selic.

Técnicos do governo lembram, porém, o episódio de definição, em meados de 2007, da meta de 2009. Como a inflação de 2006 ficou bem abaixo da meta oficial (3,1%), o mercado passou a acreditar que o governo fixaria, para 2009, uma meta inferior a 4,5%. No debate interno, o Ministério da Fazenda propôs a manutenção da meta em 4,5%, vencendo queda-de-braço com o BC, que defendeu redução para 4% ou 4,25%. "As expectativas de inflação, por causa disso, subiram. Na ocasião, não houve ganho nenhum de liberdade para a política monetária", recorda esse assessor.

Para ele, a situação hoje é bastante diferente da vivida pelo Copom em setembro de 2004, quando teve que ajustar a meta para 2005, de 4,5% para 5,1%. Já nem setembro do ano anterior as expectativas de inflação para 2005 caminhavam para o topo da, 6,5%. Insistir nos 4,5% pareceria pouco crível para o mercado, resultando em perda de credibilidade da autoridade monetária.

Agora, não. A expectativa de inflação para 2009 é de 5,25%, portanto mais próxima do centro da meta do que do seu teto. Mudar isso seria contraproducente, "um tiro no pé". Essa discussão não está na agenda do BC nem na do restante do governo, garantiram várias fontes.