Título: Desemprego leva chineses de volta para o campo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2008, Internacional, p. A11
Fan Junchao passou a maior parte dos últimos cinco anos morando a centenas de quilômetros do seu modesto sítio familiar. Incentivado pelo governo local, arrendou seu pequeno lote de terra e foi trabalhar na construção civil nas grandes cidades, ganhando várias vezes mais do que poderia ganhar com a agricultura.
Agora a construção onde trabalhava foi interrompida e Fan voltou para casa. "Neste momento não tenho planos", disse ele. "Estou dando um passo de cada vez."
De um total de 130 milhões de trabalhadores migrantes da China - a chamada "população flutuante" - Fan é um dos centenas de milhares que estão sendo despedidos de empregos urbanos, nas fábricas e nas construções.
A pujante economia industrial chinesa esfriou abruptamente com o impacto da crise financeira mundial. Províncias rurais que forneciam boa parte da mão-de-obra para as fábricas constatam agora o início de uma onda de migração reversa - algo que pode até abalar a estabilidade do país mais populoso do mundo.
O desemprego em alta acelerada levou a uma série excepcional de greves e protestos. Autoridades governamentais, normalmente cautelosas, foram rápidas em oferecer concessões e falar abertamente de suas preocupações com a insatisfação social. Na terça-feira passada, trabalhadores demitidos em Dongguan viraram carros de patrulha e entraram em conflito com policiais, enquanto no fim de semana centenas de táxis pararam diante de um prédio do governo na cidade próxima de Chaozhou, em um dos vários protestos realizados por motoristas.
Na quarta-feira, operários despedidos no norte da China fizeram um protesto em Pequim, na sede da empresa controladora. E no mais recente sinal de pressão econômica, na segunda-feira a moeda chinesa teve a maior queda já registrada em relação ao dólar, devido às expectativas de que o banco central venha a desvalorizar o iuan, a fim de estimular o crescimento econômico.
Se por um lado o governo tenta acalmar a tensão nas cidades, também se preocupa com os migrantes recém-desempregados que voltam para seus lares, temendo que possam desestruturar o sistema social do interior do país, já sob forte pressão.
Em uma estação de trem a 50 quilômetros da aldeia natal de Fan, funcionários do governo mantêm uma vigilância de 24 horas sobre os recém-chegados, para tentar calcular quantos dos dois milhões de migrantes daquela região vão voltar dos centros industriais. Cerca de 60 mil já voltaram, segundo informam essas autoridades locais - e muitos mais devem voltar, apesar dos esforços de Pequim para convencer os trabalhadores a ficar nas cidades e ali serem treinados para eventuais novos empregos.
Fan, que tem 55 anos e já é avô, além de si mesmo, ajuda a sustentar os netos, sua esposa e um de seus dois filhos, que agora trabalha como aprendiz de caminhoneiro, depois que seu salário na fábrica foi cortado. Fan teme que seu outro filho, também trabalhador migrante, seja o próximo a ficar desempregado. Ele agora oferece aos hóspedes uma xícara de água quente em vez de chá, pois está tentando economizar ao máximo.
Muitos desses operários que voltam para interior, como Fan, obtêm uma renda pequena demais de suas terras, insuficiente para sustentar a família. O governo vem incentivando muitos deles a arrendar suas terras para cooperativas, que são mais lucrativas, mas que não compartilham os ganhos extras com os donos da terra. Ao mesmo tempo, Pequim incentivou os trabalhadores a migrar para as cidades, relaxando regras nos últimos anos. Essas regras foram formalizadas este ano.
Outros não têm lugar nenhum para onde voltar, pois viram suas terras serem engolidas pelas décadas de esforços para urbanizar o país, quando imobiliárias inescrupulosas e autoridades corruptas muitas vezes tomaram ilegalmente as terras dos agricultores.
Para os trabalhadores acostumados a uma década de crescimento de taxa de dois dígitos, o repentino arrefecimento econômico da China veio como um choque para todo o sistema. Os trabalhadores migrantes - contingente avaliado em um décimo da população do país - têm sido o motor do sucesso econômico da China nessas três décadas, desde o início das reformas em direção ao livre mercado.
São eles que fornecem a mão-de-obra barata para a infra-estrutura do país e para seus produtos de exportação de baixo preço, que dominam o mercado mundial. Os salários que remetem para casa ajudaram a espalhar a prosperidade dos vibrantes centros urbanos para o interior do país, relativamente pobre. Mas a baixa na atividade financeira mundial ameaça abalar o precário equilíbrio do país, se o desemprego continuar a subir. A crise mundial já paralisou o setor de construção. Muitas fábricas que antes produziam grandes quantidades de brinquedos, roupas e produtos eletrônicos tiveram que fechar ou cortar pessoal.
Meng Jianzhu, ministro da Segurança Pública, declarou em uma reunião de autoridades regionais, no fim do mês passado, que há "muitos problemas sociais que afetam a estabilidade nas atuais circunstâncias", segundo a agência de notícias oficial Xinhua. Entre os grandes problemas a serem enfrentados, disse Meng, "deve-se melhorar o trabalho de atender e administrar a população flutuante". Pequim vem advertindo as autoridades locais a fazer esforços extras para garantir a estabilidade do país, concentrando-se em programas de re-emprego.
Não estão disponíveis estatísticas nacionais sobre quantos trabalhadores migrantes foram demitidos e voltaram para casa, mas os números regionais são significativos. Yin Weimin, ministro dos Recursos Humanos e Segurança Social, avaliou em uma entrevista coletiva realizada este mês que já voltaram para casa cerca de 300 mil dos 6,8 milhões de trabalhadores migrantes de uma só província, Jiangxi, localizada ao sul da província de Anhui, onde mora Fan.
"A situação continua a se desenrolar, o número de trabalhadores migrantes rurais que volta para casa está aumentando gradualmente e estamos acompanhando tudo isso de perto", disse. Outras províncias também divulgaram números semelhantes.
Autoridades da província central de Hubei também estimam que já voltaram para casa 300 mil trabalhadores demitidos, só nos últimos dois meses. Em Wuhan, capital de Hubei, as autoridades avaliam que esse número vai acabar chegando em 600 mil apenas naquela cidade.
Em Fuyang, a cidade mais próxima de Shuangfu, autoridades que monitoram a volta dos trabalhadores observam que não é fácil para um operário voltar para a vida do campo e para o trabalho na terra. "Esses trabalhadores não são os mesmos camponeses de ontem", diz um funcionário do Departamento de Recursos Humanos e Trabalho daquela cidade, batendo os pés no chão para se aquecer em uma manhã muito fria. "Eles não cultivam plantações, eles têm qualificações." Ele e outros funcionários procuram entrevistar pelo menos 200 migrantes por dia para saber quais são seus planos, de onde eles vêm e para onde estão voltando. O governo também ordenou que o chefe do partido em cada aldeia faça contagens periódicas dos migrantes que voltam.
Fan agora pensa muito em seus dois filhos, e o que vai acontecer se eles também perderem o emprego. "Estou muito preocupado", diz. Ele pensava que nunca precisariam trabalhar na terra. Eles foram trabalhadores migrantes toda sua vida adulta. O mais novo continua a trabalhar numa fábrica de móveis. O mais velho, Fan Yaxian, 20 anos, que virou aprendiz de motorista de caminhão, diz que espera poder abrir sua própria empresa. "Não sei trabalhar na terra", diz ele.
Fan, o pai, não tem essas aspirações. "Não tenho cabeça para negócios", diz ele. "Só posso trilhar o caminho de um trabalhador migrante. Se não posso ser um, não tenho nenhuma outra idéia."