Título: Heterogêneo, time de Obama exigirá um firme controle
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Fonte: Valor Econômico, 03/12/2008, Opinião, p. A12

Barack Obama foi bastante vago em suas promessas durante a campanha presidencial, a ponto de seu slogan de mudanças tornar-se um enigma. A composição básica de seu governo, configurada pelas nomeações para os cargos que envolvem economia, segurança, defesa e Justiça, torna as suas intenções um pouco mais claras, mas não muito. Desde que começou a desafiar o establishment democrata até sagrar-se candidato e bater John McCain, a economia americana caiu em um poço escuro e os EUA defrontam-se agora com uma das maiores crises econômicas de toda a sua história. Os planos iniciais de Obama podem ter mudado e o espectro de mudanças que podem tornar-se realidade imediata se reduziu bastante.

O que parece presidir as escolhas para o gabinete de Obama é a experiência, algo de que o próprio presidente foi acusado de não ter e, até certo ponto, de fato não possui. Diante da maior tempestade econômica em quase 100 anos, Obama foi claro ao dizer que não tem outra opção a não ser nomear os melhores. Seu ministério parece, assim, um gabinete de salvação nacional, que envolve uma ampla gama de posições divergentes.

Essa característica fica mais clara na espinha dorsal do governo, seu time econômico, cuja figura de primeira grandeza e coordenador de políticas será Larry Summers, o ex-secretário do Tesouro de Clinton, da ala conservadora democrata. A seu lado estarão Tim Geithner, ex-Fed de Nova York, no Tesouro e Christina Romer, no conselho de assessores econômicos da Casa Branca. Como fez Franklin Roosevelt, em 1933, ao criar a Superintendência de Recuperação Nacional, haverá um time de economistas independentes em um conselho consultivo para esse fim, não vinculado ao governo e presidido pelo ex-presidente do Fed, Paul Volcker. Dessas figuras principais, nenhuma tem intimidade com Obama, embora não haja publicamente quem discorde da sua posição sobre a necessidade de um forte e objetivo pacote de estímulos para a economia que tenha como alvo os consumidores e a criação de empregos.

Mesmo uma esquerda democrata suave e bem comportada tem motivos para ficar desapontado com as nomeações. Hillary Clinton, na Secretaria de Estado, Jim Jones, assessor para segurança nacional, e o republicano Robert Gates, na Defesa, estão à direita do presidente eleito, se consideradas as principais polêmicas que galvanizaram a campanha presidencial. Jim Jones aparecia ao lado de John McCain e Hillary achava boa parte das propostas de Obama uma patacoada ingênua. Ela chegou a dizer que Jerusalém era a capital "eterna e indivisível" de Israel, o que é um desagradável cartão de visitas para qualquer encontro que envolva os os líderes do Oriente Médio. Com essas escolhas, Obama sinaliza que se moverá com extrema prudência nos terrenos movediços da guerra iraquiana e no Afeganistão, e agrada ao centro e à direita com a sugestão de que não abdicará de uma política dura, se ela for necessária. Obama não é o primeiro a fazer ponte com republicanos. Clinton optou por um republicano moderado na Defesa, William Cohen. E, a seu favor, Obama pode dizer que Gates participou do Conselho Nacional de Segurança de Jimmy Carter.

Na formação de seu governo, Obama apenas intensifica a rápida corrida rumo ao centro já consolidada na etapa final da campanha eleitoral. A mudança mais clara até agora é a adoção de estratégia multilateralista, com a abertura para o diálogo com nações rivais e a busca de reerguer as pontes com os aliados, destruídas por George W. Bush. A nomeação de Susan Rice para embaixadora na Organização das Nações Unidas, com status ministerial, indica um firme propósito nesta direção.

Não se teme apenas um confronto de egos, mas de políticas no novo governo. Obama assumiu a responsabilidade de dar a direção, após ouvir as opiniões de todos, algo que fez questão de frisar para marcar a diferença com a Casa Branca de Bush, residência exclusiva dos neo-conservadores. Se não souber exatamente o que quer e exercer uma liderança abrangente, persuasiva e firme, um gabinete de estrelas pode se transformar no caos. A favor de Obama há o senso de urgência - nunca se montou um time com esta qualidade em tão pouco tempo. O desafio será mantê-lo em campo, eficiente, disciplinado e obediente ao técnico quando o jogo duro começar.