Título: Indústria de calçados perde exportação e faz demissões
Autor: Vanessa Jurgenfeld e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2005, Brasil, p. A6

A indústria de calçados fez suas primeiras demissões decorrentes da baixa cotação do câmbio. A crise começou pelas pequenas e médias empresas com produção de menor valor agregado e que enfrentam a concorrência dos produtos chineses e indianos, especialmente no mercado americano. As grandes companhias do setor procuram alternativas para repor a perda de rentabilidade, mas não descartam redução do quadro de pessoal caso as encomendas para a coleção de verão do hemisfério Norte não cheguem no ritmo esperado nas próximas duas a três semanas. Em janeiro, as exportações totais de calçados do país ainda cresceram 13% em relação a janeiro do ano passado, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). Por destino, contudo, as vendas para os Estados Unidos já revelam a perda de competitividade do produto brasileiro: queda de 0,96%, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Os embarques para México e Argentina, mercados balizados pela moeda americana, cresceram bem abaixo da média: 3,9% e 5,6%, respectivamente. As vendas para os países europeus sustentaram o resultado de janeiro: mais 22% para o Reino Unido e embarques 50% maiores para a Alemanha. Na última sexta-feira, a Calçados Black White, localizada no Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, um dos principais pólos de produção do país, demitiu 100 pessoas. Naquela região pelos menos três indústrias realizaram demissões em fevereiro. Além da Black White, que alega problemas em realizar vendas com o dólar baixo, também enfrentam problemas a Calçados Cogima e a Calçados Celle, ambas do município de Sapiranga. Somando as três indústrias, no total foram demitidas 380 pessoas. De acordo com o presidente da Federação dos Sapateiros do Rio Grande do Sul, João Batista Xavier, há empresas que já vinham em situação delicada, que se agravou com o dólar, mas há casos em que apenas o efeito da moeda já foi suficiente para o fechamento. A situação não fica restrita ao Vale do Rio dos Sinos. Localizada em Araranguá, em Santa Catarina, a Cincal Calçados, produtora de cerca de 16 mil pares por mês, demitiu 120 pessoas semana passada. A indústria tinha toda sua produção voltada aos Estados Unidos. "Tivemos que reduzir produção e diminuir despesas", explica o presidente da companhia, Aldo Apolinário. "Não tivemos como reajustar preços para o comprador internacional", explica. A empresa manteve apenas 40 pessoas na linha de produção para atender aos pedidos que ainda restaram. "Estamos operando com 30% da capacidade instalada", diz Apolinário. A Abicalçados programa para os próximos dias uma lista das empresas de todo o país que já demitiram. "Na primeira semana de fevereiro, a feira em Las Vegas (principal do mercado americano) já demonstrou a migração dos tradicionais compradores de produtos brasileiros para os produtos chineses e indianos. Ficamos com dificuldade de formar preços em todos os países", afirma Heitor Klein, diretor-executivo da Abicalçados. As indústrias calçadistas exportaram no ano passado 200 milhões de pares, de um total produzido de 750 milhões, segundo dados da Abicalçados. Klein diz que 60% foram para os Estados Unidos. A sua estimativa agora é de que em 2005 as exportações caiam de forma expressiva se o dólar se mantiver abaixo R$ 3. A indústria de calçados do país tem um perfil regional. Franca, no interior paulista, concentra a produção de calçados masculinos, enquanto o Vale dos Sinos é especializado em produtos para o público feminino e infantil. Em Birigüi, também no interior paulista, a produção é bastante orientada para o segmento infantil. Em valor agregado, a produção também é diversificada. Em janeiro, os Estados de Santa Catarina e Paraná (menos tradicionais e com uma linha mais focada em bens de menor valor), já amargaram queda de exportação: menos 30% para Santa Catarina e queda de 14% nos embarques do Paraná. Em 2002, o preço médio do calçado exportado por Santa Catarina foi de R$ 5,2 ante uma média nacional de US$ 9,4. Para o presidente do Conselho da Federação das Micro, Pequenas e Médias Indústrias do Rio Grande do Sul e dono da indústria de calçados Werner, Werner Muller, todo o Vale dos Sinos está "em choque". Ele diz que o setor vive outros problemas no Estado, mas sem dúvida alguma, a defasagem cambial tem sido a vilã das indústrias. "O estado é quase de desespero", diz. A indústria de Werner ainda não demitiu porque concentra parte da produção na Europa, mas o executivo afirma que está botando dinheiro em cada caixa que sai de sua fábrica para o mercado americano. Na quinta-feira passada, em uma tentativa de amenizar os problemas para o setor, o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, revogou parcialmente a medida, adotada em 28 de dezembro de 2004, que impedia o uso do ICMS acumulado para financiar exportações. A revogação foi parcial porque o uso do ICMS acumulado foi permitido apenas para empresas de pequeno e médio porte. Os empresários geralmente abatem compras de matéria-prima com os créditos. Para alguns industriais, contudo, a revogação chegou um pouco atrasada.